O globo, n. 31976, 22/02/2021. País, p. 5

 

Orçamento: setores criticam proposta de Lira

Cleide Carvalho

Marlen Couto

22/02/2021

 

 

Presidente da Câmara defendeu em entrevista ao GLOBO a desvinculação das verbas federais, e o fim da obrigação de destinar percentuais mínimos de recursos para cada área. Gestores de saúde e educação temem prejuízo para políticas públicas

Gestores públicos e especialistas de áreas como a Saúde e a Educação discordaram da proposta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de promover a desvinculação do Orçamento, ou seja, derrubar a obrigatoriedade de destinação de percentuais mínimos para cada área. Atualmente, a Constituição determina que os estados devem destinar 12% de seus recursos para a saúde e 25% para a educação, enquanto, no Orçamento federal, os índices são de 15% e 18%, respectivamente.

Integrantes do Conselho Nacional de Saúde e do Conselho de Secretarias Municipais da área afirmaram temer uma eventual redução de recursos para a área. A presidente do Todos pela Educação, Priscila Cruz, diz que a mudança poderia “desmanchar a lógica” do Fundeb, que reorganizou a distribuição de recusos na área.

Lira apresentou a ideia em entrevista ao GLOBO, publicada na edição de ontem. O deputado argumenta que o engessamento do Orçamento reduz o poder do Legislativo na definição sobre aplicação dos recursos públicos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é favorável à tese de Lira. Para passar a valer, a mudança exigiria mudar trechos da Constituição, mediante a aprovação no Congresso de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC).

— O Congresso hoje é um carimbador do Orçamento. O Orçamento vem todo préfixado, com 96% de despesas carimbadas. Defendo a desvinculação total do Orçamento. Hoje governadores e prefeitos são obrigados a gastar dinheiro, jogando dinheiro fora, para cumprir o mínimo constitucional. Na Saúde tem recursos demais. O problema da Saúde é gestão — argumentou, acrescentando que a desvinculação permitirá manejamento dos recursos para áreas prioritárias em cada momento.

— Quando você desvincula, se no momento o Acre precisa de ajuda para enchentes, manda dinheiro para a Defesa Civil. O problema é a pandemia? Manda para a Saúde.

DESFINANCIAMENTO

A economista e sanitarista Erika Aragão, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres) e integrante do Conselho Nacional de Saúde, concorda que o SUS tem problema de gestão, mas ressalta que até para melhorar a gestão é preciso investir em informatização e mão de obra qualificada, por exemplo.

Para Mauro Junqueira, secretário executivo do Conselho Nacional de Secretarias

Municipais de Saúde (Conasems), a desvinculação preocupa os municípios. Ele lembra que os prefeitos devem aplicar 15% do orçamento em saúde, mas, em média, o percentual já alcança 24,5%. Apesar disso, eleano taque ogas todo Brasil com saúde, por habitan-te, é de por dia, é considerado muito baixo.

— É sobre os prefeitos que recaia maior pressão por atendimento de saúde e educação. Os recursos estão estagnados há 10 anos. Muitas vezes são empenhados, mas não são transferidos para os municípios —afirma.

Junqueira diz que 50% do orçamento dos municípios está comprometido com saúde e educação e que a desvinculação obrigará as prefeituras a recorrer cada vez mais a parlamentares em busca de verbas por emendas.

— Emenda não é recurso novo. São do orçamento da saúde, com alocação indicada por bancadas e parlamentares. Essa alocação nem sempre atende a necessidade dos municípios. Muitas vezes equipamentos e serviços são levados para regiões que têm menos necessidade. A desvinculação seria muito ruim.

—Seria o desfinanciamento do SUS num momento em que a população está envelhecendo e precisará de mais atendimento de saúde. Todas as recomendações de organismos internacionais é que haja maior presença dos governos em áreas de seguridade social, como saúde, educação e programas de renda mínima —avalia.

Professora da UFRJ, a médica sanitarista Ligia Bahia classificou como “insensível” a declaração de Lira de que na Saúde “há recursos demais”.

—É incorreta porque o Brasil gasta menos com saúde do que países como Argentina e Uruguai. A sentença significa literalmente menos recursos para a saúde, área hoje prioritária no mundo inteiro.

Presidente-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz concorda que a gestão precisa ser melhorada, mas alerta que é preciso proteger os recursos da educação.

— Não há dicotomia entre garantia de recursos e boa gestão. No novo Fundeb, fizemos um debate para que os recursos da educação fossem mais bem distribuídos. Além disso, a União passará a investir mais na educação básica. Mas, se não houver vinculação, não existe cálculo para o Fundeb, porque não tem como saber o investimento potencial de um município e de um estado, nem estimar quanto tem que ter de repasse de um ente da federação que tem mais recursos para outro que tem menos. A falta de vinculação desmancha a lógica do Fundeb — analisa Priscila Cruz.