O globo, n. 31977, 23/02/2021. País, p. 4

 

Em atualização

Bruno Góes

Paulo Cappelli

Natália Portinari

23/02/2021

 

 

Após prisão de Silveira, Câmara quer modernizar Lei de Segurança Nacional

A Câmara dos Deputados deve começara discutir alterações na Leide Segurança Nacional (LSN), que prevê os crimes contra a ordem pública. Na esteira da prisão do deputado Daniel Silveira (PSLRJ), detido em flagrante por ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), após ser enquadrado nessa legislação, parlamentares de oposição edecen trove em necessidade de modernizara norma, sancionada em 1983, ainda na época da ditadura.

Em um primeiro momento, deputados vão se debruçar sobre o alcance da imunidade parlamentar. Pretendem debater novas regras para a concretização do crime em flagrante e também sobre os crimes inafiançáveis. Essas são as condições para a prisão de um parlamentar, segundo o artigo 53 da Constituição. Deputados ainda avaliam se será necessário alterara Carta ou apenas tratar o assunto por meio de projeto de lei.

A hipótese de aprofundar a discussão sobre a Lei de Segurança Nacional, no entanto, é admitida até mesmo pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Hoje, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que deve relatar o projeto sobre imunidade parlamentar, terá reunião com o grupo de trabalho.

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), e o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) afirmam que irão propor mudanças na LSN. Lira lamentou que a legislação da ditadura tenha sido usada para prender Silveira.

— Há discussão de alterações, porque a lei é de 1983 e o nome dela traz questões que, pela diferença e vácuo do artigo 53, ela teve que ser usada. Foi um remédio amargo, talvez excessivo, para um integrante que se desviou da sua função. Então, deve ser discutido —disse o presidente da Câmara ao GLOBO.

Na decisão que ordenou a prisão de Silveira, Moraes alega que as condutas do parlamentar podem configurar crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, como “tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União" ou “fazer em público propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”.

Parlamentares e juristas coincidem na avaliação de que é ruim ter de recorrer a uma lei editada durante a ditadura, mas que isso ainda ocorre, como no caso de Silveira, porque falta à legislação brasileira outra norma que trate de ataques a instituições da democracia. Por isso, há prevalência da avaliação de que é necessário atualizar a LSN.

O grupo de trabalho para debater alterações na lei penal foi constituído informalmente, com membros indicados por Arthur Lira. Margarete Coelho presidiu em 2019 o grupo que modificou o pacote anticrime do então ministro da Justiça Sergio Moro.

Paulo Teixeira diz que o grupo ainda não debateu a Lei de Segurança Nacional, mas que irá propor esse debate na reunião de hoje. Ele defende que a lei seja alterada para definir melhor os crimes de ódio, como foram, na sua opinião, os praticados por Silveira.

—A Lei de Segurança Nacional tem tipos penais amplos que permitem inclusive a perseguição, processar adversários políticos. Isso é inaceitável —diz o deputado.

O parecer da deputada Magda Mofatto (PL-GO), relatora da votação sobre a prisão de Silveira, cita três pontos sobre os quais deputados devem se “debruçar”: definição e o rol de crimes inafiançáveis; definir melhor situações que caracterizam flagrante delito, especialmente na internet; e o alcance de decisões monocráticas sobre prisão de parlamentares.

Marcelo Ramos acha necessário o debate de alterações na LSN. Mas rechaça uma possível alteração no artigo 53 da Constituição, que diz expressamente no parágrafo segundo: “os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”.

— A LSN, que foi feita pela ditadura, é que regulamenta os limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar. Temos que escolher o quefazer( se alteram o salei ou a Constituição). O paragrafo 2º do artigo 53 (da Constituição) é meramente processual. E lenão tem nada a ver com crime, com tipo penal. Ele só diz a hipótese excepcionalíssima na qual o parlamentar pode ser preso provisoriamente. Acho que ninguém vai querer discutir isso —diz o vice-presidente da Câmara.

PROPOSTAS

No ano passado, Paulo Teixeira protocolou projeto que revoga a LSN e estabelece nova legislação sob reos crimes contra a ordem democrática. A proposta torna crime, por exemplo, o uso da violência decorrente de arma de fogo ou da ameaça da sua utilização para intervir no estado democrático e produzir instabilidade no funcionamento dos Poderes. O projeto foi elaborado em parceria com juristas.

—Pretendo levar esse debate. A primeira reunião será amanhã (hoje) —diz o petista.

Uma das propostas é proibir que parlamentares sejam presos com base em decisões monocráticas, de apenas um ministro do STF. Hoje deputados só podem ser presos em flagrante, e, nesse caso, não há a necessidade de uma decisão judicial. Discute-se como fazer essa alteração sem criar uma exceção para parlamentares.

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Editada na ditadura, lei é usada até para enquadrar adversários

23/02/2021

 

 

Editada durante a ditadura militar, em 1983, a Lei de Segurança Nacional (LSN) vem sendo usada até hoje por autoridades para enquadrar criminosos e, muitas vezes, inimigos políticos.

Durante os governos militares, a lei foi muitas vezes usada para coibir manifestações da esquerda contrárias à ditadura. A norma segue em vigor e não há irregularidade em usá-la —mesmo que ela guarde a simbologia de uma época de violação de direitos individuais.

No entanto, como tem trechos vagos, a LSN dá margem para que autoridades usem a norma de forma equivocada, segundo juristas. Entre os artigos pouco precisos está o 18, que considera crime “tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados”. Ou o 23, que coíbe a incitação “à subversão da ordem política ou social”.

No ano passado, um dos alvos foi o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que associou a imagem de militares a um genocídio na pandemia. O Ministério da Defesa protocolou representação contra ele na Procuradoria-Geral da República (PGR) recorrendo à LSN.

Na época, um ministro do STF que falou ao GLOBO reservadamente avaliou que a manifestação de Gilmar não deveria ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional. Ele considerou que a fala do ministro foi ofensiva, mas a União deveria ter entrado com uma ação civil na primeira instância pedindo indenização por danos morais. Outro integrante do Supremo, também ouvido em caráter reservado, considerou que Mendes “passou da linha”. Mas ele também avaliou que o caso não deveria ser enquadrado em crime da LSN.

A iniciativa de lançar mão da LSN não é exclusividade do governo. Em abril de 2019, o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no STF, determinou buscas e apreensões contra várias pessoas —entre elas, o general da reserva Paulo Chagas, ex-candidato ao governo do Distrito Federal. Ele tinha chamado os ministros do STF de “diminutos fantoches”. Nas ordens de busca e apreensão, Moraes sustentou que havia indícios de que os investigados cometeram crimes previstos na LSN. “Verifica-se postagem reiterada em redes sociais de mensagens contendo graves ofensas a esta Corte e seus integrantes, com conteúdo de ódio e de subversão da ordem”, escreveu Moraes.