O globo, n. 31977, 23/02/2021. Sociedade, p. 9

 

O preço da "desobediência"

Ana Letícia Leão

23/02/2021

 

 

Estado de SP tem o maior número de internações desde o início da pandemia

Em meio ao avanço das novas variantes do coronavírus no estado, São Paulo bateu ontem o recorde de internações por Covid-19 desde o início da pandemia. Até o início da tarde de ontem, 6.410 pessoas estavam internadas em UTIs em todo o estado, segundo o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn.Onú mero superou o pico anterior, em julho de 2020, quando havia 6.257 pacientes recebendo atenção intensiva nos hospitais.

Ainda é cedo para creditar o pico de pacientes em UTIs exclusivamente às novas cepas já identificadas no estado — até agora, foram registrados 25 casos de infectados por variantes. Segundo especialistas, houve relaxamento no cumprimento das medidas de distanciamento desde a virada do ano. Para tentar reverter o quadro, o governo paulista pode adotar, ainda nesta semana, regras mais rígidas de restrição de movimentação. Para Gorinchteyn, os dados mostram que há “desobediência” por parte da população.

—Temos de continuara seguiras normas e os ritos sanitários, como manter o distanciamento, usar máscaras, higienizar as mãos e evitar aglomerações. Independentemente decepas mutantes, a transmissão ocorre principalmente pelo fato de não estar ocorrendo obediência às normas. —disse o secretário.

Uma das explicações para o pico de internações, segundo o governo paulista, é o fato de que as pessoas infectadas recentemente com o coronavírus estão ficando mais tempo na UTI do que a média. Por isso, mesmo que o número de doentes que precisaram de terapia intensiva nesta semana tenha sido 9,5% menor do que os da semana passada, o total de leitos ocupados teve um salto de 5,5% no período.

Análise da Info Tracker, ferramenta desenvolvida por cientistas de dados da USP e da Unesp para monitorar o avanço  da pandemia, revela que o crescimento de internados é maior em algumas cidades. Em Santo André, no ABC Paulista, o aumento geral de internações foi de 31% nesta semana em relação à anterior. Em Osasco, o salto foi de 28%. Os dados preocupam principalmente porque podem estar relacionados à circulação das novas variantes, na opinião de um dos desenvolvedores da plataforma, Wallace Casaca: — O aumento exponencial

(nessas cidades) é muito agressivo. Ele pode dobrar ou triplicar a curva (de internados ) em questão de dias, por isso é tão perigoso. Esse crescimento começou a ser observado na semana passada. Tivemos um primeiro pico no início do ano por conta das festas e, depois disso, teve uma inflexão, mas

(agora) voltou a aumentar. Em algumas cidades, como Araraquara, no interior do estado, autoridades sanitárias relacionam o tempo maior de internação a novas cepas do vírus. Para o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, porém, ainda é cedo par achegara essa conclusão:

— Tivemos ano novo e as festas clandestinas de carnaval. Dá para atribuir ( oaumento das internações) muito mais (às aglomerações), sem dúvida, ma sé mais bonito falar queé variante porque você tira( do foco) todo o comportamento inadequado.

Ainda segundo Lotufo, também vem chamando a atenção o aumento “generalizado” da circulação viral, além de óbitos em pessoas mais jovens.

— Antes, as mortes ocorriam em pessoas que já tinham doenças prévias, mas agora parece que a gravidade é maior, pois os registros estão em pessoas mais jovens. Ou seja, a contaminação e a transmissibilidade estão muito maiores. Oca sodas variante sé um jogo: elas surgem porque a transmissão é alta e, quando é baixa, a chance deter mutação do vírusépe quena. Agora nós ficamos nesse jogo que não sabemos qual é exatamente, e a situação vai só piorando.

Numa tentativa de frear novas—internações, o Centro de Contingência, grupo de cientistas e médicos que aconselha o governo do estado na gestão da pandemia, apresentou medidas para endurecera quarentena, segundos eu coordenador executivo, João Gabbardo. Antes de entrarem vigor, essas regras precisam de aval do governador João Doria.

—Elas vão tratar de redução da mobilidade, da movimentação das pessoas, oque podemos fazer neste momento para reduzira taxa de transmissibilidade. Sendo variante ou não, a forma de reduzir a transmissão é a mesma: diminuir a possibilidade de contato entre as pessoas —disse Gabbardo.

EM ALTA PELO BRASIL

As internações por Covid-19 na rede pública do Brasil cresceram 8,7% em dez dias, segundo levantamento realizado pelo GLOBO, a partir de informações das secretarias estaduais de Saúde. Cerca de 28,8 mil pessoas estão internadas pela doença em leitos de enfermaria e UTI do Sistema Único de Saúde. No dia 12 de fevereiro, eram aproximadamente 26,5 mil internados.

Ao menos 12 estados brasileiros e o Distrito Federal estão com taxas de internação por Covid-19 acima de 80%, nível considerado crítico. São eles: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Paraná, Pernambuco, Piauí , Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia e Santa Catarina.

A Bahia decretou ontem novas determinações para o toque de recolher, medida também implementada no Ceará.

No Pará, a ocupação é de 78,8%, e em outros três estados o índice está acima de 70%. São Paulo, Amapá e Minas Gerais não informaram a taxa específica dos leitos de Covid-19 da rede pública.

Ligia Bahia, especialista em Saúde Pública da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colunista do GLOBO, diz que as medidas de toque de recolher são válidas, ma sé importante manter medidas de controle no dia adia.

— Seria o caso de restringir de fato e exigir ou sode máscaras. Não são medidas fáceis, requerem muito diálogo, muita divulgação de informação científica e total apoio da área econômica.