Título: Obama, uma nova chance para Doha
Autor: Abdenur, Roberto
Fonte: Jornal do Brasil, 26/11/2008, Economia, p. A20

EMBAIXADOR

Foi positivo que na recente reunião do G-20 em Washington, por pressão de países como o Brasil, Reino Unido e EUA, dois compromissos tenham sido adotados na área de comércio-esforço de avançar nas negociações da Rodada de Doha na OMC, e abstenção de novas medidas protecionistas nos próximos 12 meses. Ambas são missões quase "impossible". Será difícil para muitos, inclusive o Brasil, deixar de recorrer aqui e ali a medidas de proteção de seu mercado. O importante é que não se recaia em situação de verdadeira guerra comercial global.

Esforços

Sobre Doha, procura-se organizar uma reunião ministerial em dezembro para tentar pelo menos "amarrar" um conjunto básico de parâmetros (as chamadas "modalidades") que facilite uma futura conclusão das negociações, já sob o governo Obama nos EUA. Esse objetivo enfrenta, contudo, obstáculos: alguns países desenvolvidos fazem exigências excessivas na área de manufaturados, enquanto vários países em desenvolvimento (Argentina, p.ex.) se opõem radicalmente a maior abertura nesse setor. Outros 33 países em desenvolvimento, incluídos pesos-pesados como Índia e China, resistem a abrir seus mercados agrícolas - no que coincidem com uma dezena de países desenvolvidos, como Japão, Suíça, Noruega. E temas relevantes ainda não foram devidamente abordados - como os subsídios ao algodão, de especial interesse para o Brasil e alguns países africanos. Mas o problema vai mais além: estará fora de questão, ainda por algum tempo, o engajamento dos Estados Unidos em novos passos de abertura ao comércio.

Não é de hoje a erosão do compromisso norte-americano com o livre-comércio. Se outrora acordos comerciais eram aprovados por maiorias de mais de cem votos, o mais recente acordo - o CAFTA, com os centro-americanos - passou no Congresso, em 2006, por apenas dois votos. Principais propulsores da globalização, os EUA em muito dela se beneficiaram, pelos efeitos anti-inflacionários de importações baratas e pela forte expansão de suas empresas e bancos. Tal se deu, contudo, à custa de perdas expressivas em empregos na indústria e nos serviços. O desemprego nos EUA, normalmente de 4%, se aproxima de quase impensáveis 7,5%. A postura do Partido Democrata e do próprio Obama é a de evitar novos passos na área comercial, dando absoluta prioridade à reativação da economia e ao enfrentamento dos problemas de desemprego causados pela globalização do comércio.

A agenda democrata privilegia a chamada "trade adjustment assistance", conceito que engloba re-treinamento de mão de obra, extensão do seguro-desemprego, reformas educacionais, ampliação do seguro-saúde, indiretamente mesmo isenções tributárias para a classe média e os mais pobres. Obama e sua ampla maioria democrata no Congresso seguramente dedicarão bom tempo, talvez algo como dois anos (a crise atual, afinal, deverá estender-se por ainda um amplo período), a esse árduo e complexo trabalho de recuperação e re-capacitação da economia americana. Doha tenderá a, como se diz, "ficar na geladeira" até que se complete esse empreendimento. Não creio, contudo, que a Rodada esteja condenada ao fracasso ou ao desaparecimento. Ao contrário do que pensam alguns, os EUA não se tornarão uma "Fortaleza-América" fechada às importações. Uma coisa é sustar temporariamente novas aberturas. Outra seria retroceder para amplo fechamento de seus mercados.

Aos EUA interessa, e muito, acesso barato a produtos importados. Para mais de 95% da pauta comercial as tarifas são - e continuarão a ser-baixas, da ordem de 4-5% (às vezes, zero: o Brasil vende aos EUA US$ 3,5 bilhões livres de impostos). E não lhes convém provocar guerras comerciais, com sucessivas retaliações levando ao estancamento das trocas - e ao fechamento de mercados para as exportações norte-americanas, responsáveis por parcela expressiva da economia.

Obama, pragmático e realista, não é ideologicamente protecionista (nem tampouco pró-livre comércio). Com sua amplitude de visão, terá muito em mente os interesses de longo prazo dos EUA no plano internacional. Cedo ou tarde Doha será retomada. Faz bem o Brasil em esforçar-se por dar-lhe sustentação, mesmo a sabendas de que um desfecho feliz ainda terá de aguardar algum tempo.