A Petrobras perdeu ontem R$ 70 bilhões em valor de mercado, devido ao tombo de mais de 20% em suas ações, reflexo do anúncio da troca no comando da estatal, com a indicação do general Joaquim Silva e Luna no lugar de Roberto Castello Branco feita pelo presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira após o fechamento dos mercados. Em dois dias, desde que Bolsonaro se queixou da alta dos combustíveis em transmissão nas redes sociais na quinta-feira de noite, a petrolífera viu seu valor encolher R$ 98 bilhões.

Como o presidente afirmou que faria mudanças em outras estatais, cresceu o temor de ingerência política. Em dois pregões, o Banco do Brasil perdeu R$ 12,6 bilhões e a Eletrobras, R$ 900 milhões. As três empresas tiveram desvalorização de R$ 111,7 bilhões em dois dias. Somente ontem o tombo foi de R$ 85 bilhões.

— A Petrobras está perdendo cerca de R$ 100 bilhões em valor de mercado em apenas dois dias. É brutal. E não se sabe o que vai acontecer —diz Alvaro Bandeira, economista-chefe do banco Modalmais.

‘NADA A VER COM PETRÓLEO’

Will Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities, em Miami, lembra que o derretimento das ações da Petrobras ocorre em um momento de alta do setor.

— Parece até que a Petrobras vende carros, produz outra coisa que não tem nada a ver com o petróleo — afirma Alves. — O país produz mais petróleo pesado e precisa importar o óleo leve, e temos incapacidade de refino. A gente passa a ideia de que “O petróleo é nosso”, mas ela é tão falsa quanto o coelhinho da Páscoa ou o Papai Noel.

O especialista aponta ainda que muitos estrangeiros estão classificando os papéis brasileiros como um “não investimento”:

— Não se trata de fluxo de caixa, de preço de petróleo, ou de variáveis que eu entendo e consigo modelar. Eu não consigo modelar a fala de um presidente, então eu, como investidor, decido pular fora.

Júlia Monteiro, analista da plataforma de investimentos MyCap, ligada à corretora inglesa TP Icap, projeta queda de 30% no valor da Petrobras por causa da troca do comando da estatal. Ela observa que a mudança pode atrapalhar o plano de negócios da companhia, o que significa atraso na venda de refinarias.

As ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Petrobras desabaram ontem 20,48%, enquanto as preferenciais (sem voto) sofreram um tombo de 21,51% — segundo dados da Economática, a maior perda desde 9 de março de 2020, quando o mundo começava a se assustar com a pandemia.

Os papéis da Petrobras foram a maior queda do Ibovespa, índice de referência do mercado brasileiro, que encerrou ontem em queda de 4,87% aos 112.668 pontos.

Já o dólar comercial fechou em alta de 1,26%, a R$ 5,45. Na máxima, bateu R$ 5,53. Logo depois o Banco Central anunciou um leilão de US$ 1 bilhão.—Por aqui, são os fatos domésticos que pesam. A forma como a troca do presidente da Petrobras foi feita traz incerteza, aumenta o riscopaís e atrasa a retomada da economia —diz Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco Mizuho no Brasil.

SETOR ELÉTRICO

Na B3, as ações ON da Eletrobras fecharam em queda de 0,69%, depois de caírem quase 10% pela manhã. No fim de semana, Bolsonaro disse que iria “enfiar o dedo no setor elétrico ”, afim de reduzir as tarifas.

Mas, segundo integrantes do governo, uma das possibilidades levantadas para o setor elétrico já estava prevista desde 2018. A ideia é transferir parte da arrecadação coma privatização da Eletrobras para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um superfundo que reúne os subsídios do setor elétrico — o restante da arrecadação deve ir para o Tesouro. Esse fundo hoje é composto por recursos das contas de luz. Ao injetar dinheiro na CDE, reduz-se o peso sobre a tarifa.

Já os papéis ON do Banco do Brasil (BB) perderam 11,65%. Como Bolsonaro já havia mostrado insatisfação com o presidente do BB, André Brandão, depois de este anunciar o fechamento de agências, houve temor de uma troca também no comando do banco estatal.

Pela manhã, o risco-país, medido pelo credit default swap (CDS), espécie de seguro contra um possível calote, subiu de 163 para 186 pontos. É o maior patamar des e 6 de novembro do ano passado.

— Essa subida causa um aperto nas condições financeiras. As taxas de juros mais longas sobem, a confiança dos investidores cai, e as empresas ficam propensas a investir menos —diz Rostagno.

As taxas dos juros futuros dos Depósitos Interfinanceiros (DI) encerraram em alta. Aquelas para janeiro de 2022 subiram de 3,44%, na sexta-feira, para 3,51%, enquanto as do DI para para janeiro de 2027 saltaram de 7,37% para 7,58%.

O tombo de ontem assustou quem tem FGTS-Petrobras. Mas este já não vinha dando bom retorno. Segundo cálculos da Economática, nos últimos12 meses, seu retorno médio era de -7%, enquanto o FGTS (considerando o rendimento de 3%, sem contar TR e distribuição de lucros) teve ganho de 3,12%. Especialistas ressaltam, porém, que a tendência da inflação é subir, o que deve corroer o rendimento de 3% do FGTS.