O globo, n. 31979, 25/02/2021. Sociedade, p. 12

 

Brasil supera marca de 250 mil mortos por Covid-19

Renato Grandelle

25/02/2021

 

 

Especialistas avaliam que país vive pior momento desde o início da pandemia; estados preparam “toque de recolher”

Um dia antes de o primeiro diagnóstico de Covid-19 no Brasil completar um ano, o país ultrapassou o patamar de 250 mil mortos pela doença. Foram registradas, em 24 horas, 1.129 vidas perdidas.

O país notificou ontem a maior média móvel de óbitos por Covid-19 desde o começo da pandemia: 1.129. Esse índice é superior a mil há 34 dias, desde 21 de janeiro. No ano passado, o maior período com média móvel superior a esse valor durou 31 dias, entre 3 de julho e 2 de agosto.

Também foram notificados 65.387 novos casos de Covid-19, elevando para 10.326.008 o total desde o início da pandemia. Os dados são do boletim do consórcio de imprensa, uma iniciativa formada por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo. Os veículos reúnem informações das secretarias estaduais de Saúde divulgadas diariamente até as 20h.

O novo boletim epidemiológico da Fiocruz, que será divulgado hoje, sublinha que não há tendência de queda de óbitos ou casos em nenhum estado brasileiro.

Coautor do levantamento, Christovam Barcellos acredita que a nova variante do coronavírus, que provocou um impacto avassalador sobre o sistema de saúde do Amazonas, pode chegar nas próximas semanas ao Centro-Sul do país.

— Em todos os países há uma curva tradicional, uma subida rápida e descida um pouco mais lenta, na incidência de Covid-19. Não é o nosso caso: chegamos à segunda onda sem haver uma queda acentuada da primeira. Uma bolha da população ainda se protege, evita sair de casa, mas um grupo se expõe de maneira exagerada, o que mantém a circulação do vírus — destaca.

— A variante do coronavírus vai se espalhar aproveitando-se de sua alta transmissibilidade, do fato de que ainda não é detectada em testes e do tráfego aéreo do Norte para o resto do país.

Segundo o epidemiologista Paulo Lotufo, a disseminação da Covid-19 tornou-se “descontrolada” no segundo semestre do ano passado. À época, os governos estaduais, que assumiram a responsabilidade por medidas de combate à pandemia, cederam à pressão provocada pelos candidatos nas eleições municipais, que julgaram que restrições como o isolamento social eram impopulares e ainda poderiam custar votos.

EXPANSÃO EM TODO O PAÍS

O número de infecções e óbitos também aumentou no início de janeiro, um resultado da desobediência da população às recomendações de distanciamento durante as festas de Natal e Ano Novo.

— Ao contrário do ano passado, quando o crescimento dos casos e mortes ocorria em tempos diferentes, hoje a pandemia avança da mesma forma em todas as regiões — alerta Lotufo, que também é professor da  Faculdade de Medicina da USP.

— As novas cepas não têm relação com esse aumento, porque elas só têm um papel determinante onde o sistema de saúde já é caótico, como no Amazonas.

Lotufo atribui a marca de 250 mil a uma “conjunção de irresponsabilidades”. Governantes falharam ao aparecer em público sem máscaras, um grupo de médicos defendeu tratamentos sem eficácia, baseado em remédios como a cloroquina e a ivermectina e alguns pesquisadores iludiram a população sustentando a tese da imunidade de rebanho.

De norte a sul do país, cidades e estados estão adotando novas medidas de lockdown para frear o crescimento de casos da Covid-19 e evitar novos colapsos no sistema de saúde. Toques de recolher e restrições de circulação em alguns horários, fechamento do comércio de atividades não essenciais e proibição de acesso a parques e praias são algumas das medidas que já são adotadas ou estão previstas em estados como São Paulo, Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Sul.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou ontem que o estado aumentará a fiscalização sobre a circulação de pessoas entre 23h e 5h a partir de sexta-feira. Doria negou o termo “lockdown”, mas disse que os paulistas estão em “toque de restrição”.

O Rio Grande do Sul também suspendeu atividades em locais públicos às noites e durante a madrugada. Onze regiões estão na bandeira preta, classificação local de risco altíssimo de contágio. A rede pública registra taxa recorde de ocupação de leitos de UTI: 96% em Porto Alegre e 87% no resto do estado.

Barcellos, porém, avalia que o lockdown instituído por autoridades brasileiras é “frouxo” e “sem fiscalização”.

—Deveria haver a restrição de algumas atividades econômicas durante o dia — recomenda. —Também é essencial limitar a circulação de pessoas entre cidades, para evitar o aumento do contágio no interior. Esta medida foi tomada com sucesso em países europeus. E, também, precisamos investir no rastreamento de pessoas que tiveram resultado positivo em teste para Covid-19. É necessário saber com quem elas interagiram.

O sanitarista ressalta que a vacina não deve ser encarada como uma “solução mágica” no tratamento para a Covid-19, já que, considerando sua disponibilidade e a velocidade com que tem sido aplicada, isso só ocorrerá em 2022.