O globo, n. 31979, 25/02/2021. Economia, p. 18

 

PEC Emergencial acaba com autonomia de recursos para a Receita

Fernanda Trisotto

Raphaela Ribas

25/02/2021

 

 

Proposta desvincula verba de fundo que custeia 70% das atividades do Fisco. Auditores veem ameaça à arrecadação de impostos

Um trecho do relatório da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial pode comprometer a autonomia da Receita Federal. O texto, considerado um jabuti —medida sem relação direta com o objetivo de um projeto —, muda regras sobre a vinculação de receitas, com impactos sobre o Fisco.

Hoje, a Constituição proíbe a vinculação de receitas a órgãos específicos, mas faz algumas ressalvas. Entre as exceções estão a “realização de atividades de administração tributária ”. O relatório da proposta, apresentado pelo senador Marcio Bittar (MDB-AC), muda essa regra e exclui a menção a atividades de administração tributária.

A medida acabaria coma vinculação de recursos para o fundo que custeia 70% das operações da Receita, que teria de disputar recursos para seu funcionamento com os demais órgãos na discussão do Orçamento.

Apesar das críticas, Bittar argumenta no relatório que manteve as exceções hoje previstas no texto constitucional e ampliou o rol destas, embora a redação não trate da previsão que beneficia o Fisco.

“Além de concordarmos com as exceções originalmente previstas, acrescentamos outras que nos pareceram imprescindíveis, tais como as receitas provenientes de transferências para o atendimento de finalidades determinadas e as destinadas por legislação específica ao pagamento de dívida pública”, afirma o texto.

IMPACTO NA FISCALIZAÇÃO

O relatório já vinha sendo alvo de críticas de parlamentares por acabar com o piso mínimo para as áreas de saúde e educação. Na avaliação das bancadas ligadas a estas áreas, a desvinculação significaria, na prática, corte de receitas.

Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Kleber Cabral, a desvinculação de recursos ameaça não apenas o órgão, que arrecada dois terços da receita do país, como também os Fiscos estaduais e municipais. Segundo ele, há expectativa de que o relator recue nesse ponto:

—A implementação disso é um golpe contra a administração tributária. Se a ideia for de desvinculação mesmo, é um absurdo essa venda casada da PEC com assuntos que merecem uma discussão mais aprofundada. Se não houver nema previsão constitucional, onde vamos parar?

Além de criticara perda da autonomia técnica, ele diz que tal medida pode reduzir à metade a estrutura física da Receita, com fechamento de delegacias e agências em todo país, precarização do atendimento, da fiscalização, do controle do comércio exterior e do combate a crimes como sonegação, corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de drogas e no controle da Alfândega nos portos e aeroportos.

—Isso vira um prato cheio para quem tem interesse em estrangular um órgão de fiscalização —disse Cabral.