O globo, n. 31980, 26/02/2021. Sociedade, p. 9

 

Um ano de pandemia

Constança Tatsch

Evelin Azevedo

Jan Niklas

Paula Ferreira

26/02/2021

 

 

Brasil registra maior número de mortos por Covid, e estados entram em colapso

No dia em que o primeiro diagnóstico de Covid-19 no Brasil completou um ano, o país registrou o pior número de mortos em 24 horas de toda a pandemia. Foram 1.582 óbitos registrados em apenas um dia, com recorde também na média móvel de mortes, que ficou em 1.150,8% amais do que há duas semanas. A média de óbitos está acima de mil desde o dia 21 de janeiro.

Já são 251.661 vidas perdidas e 10.393.886 de pessoas infectadas pelo vírus, segundo os dados compilados pelo consórcio formado por O GLOBO, Extra, G1, Folha de S.Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, com informações das secretarias estaduais de Saúde.

O agravamento da pandemia está levando os sistemas hospitalares de diversos estados ao colapso, de Norte a Sul do país. Especialistas em saúde são unânimes em afirmar que é preciso restringira circulação de pessoas para conter a escalada das últimas semanas.

Ontem, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, se reuniu com representantes de secretarias estaduais e municipais para fazer um alerta sobre a piora da pandemia. Ele destacou que a velocidade de transmissão de novas cepas tem levado a cenários de alta em estados que, há um ano, não estavam nesse patamar:

—Estamos enfrentando nova etapa da pandemia, hoje o vírus mutado nos dá três vezes mais a contaminação, e a velocidade com que isso acontece em pontos focais pode surpreender o gestor em termos de estrutura de apoio. Essaéa realidade que vivemos hoje no Brasil. Não está centrado apenas no Norte e Nordeste, como vimos no ano passado, hoje você vê outros locais que em momentos passados não estavam impactados nesta época do ano. E precisamos estar alertas e preparados para isso.

Segundo Pazuello, há três estratégias principais para combatera pandemia: oque chamou de “atendimento imediato” nas Unidades Básicas de Saúde, a capacidade de estruturação de leitos clínicos e de UTI, e a vacinação. Em relação ao último tópico, o ministro afirmou que o Brasil está fazendo de tudo para adquirir novas doses.

—A vacinação está tendendo à estabilidade em termos de produção e quantidade de doses, já chegamos, em 40 dias de vacinação, de 13 a 14 milhões de doses distribuídas (...). Estamos negociando com todas (as vacinas).

Ao lado do ministro, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Carlos Eduardo Lula, afirmou que já há 15 estados com ocupação de leitos superior a 90%.

—A gente nunca teve tantos estados com tanta dificuldade ao mesmo tempo, seja pela circulação de novas cepas, seja pelo cansaço da sociedade que está vivendo isso há tanto tempo. A sociedade tem que entender que não é hora de fazer festa, não é hora de estar junto, porque o que a doença precisa é de ambientes fechados, com pouca circulação de ar, e muitas pessoas no mesmo local.

Na região Sul, uma das mais afetadas pela alta de casos, os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul enfrentam o esgotamento da capacidade de suasre desde UTIs. O governador gaúcho suspendeu atividades em locais públicos entre22he5h ecolocou 11 regiões na chamada“bandeira preta”, classificação local de risco altíssimo de contágio. E o secretário de Saúde de Santa Catarina, André Motta, afirmou que o sistema de saúde já enfrenta colapso e pediu aos prefeitos medidas para diminuir a circulação de pessoas.

Ontem, a Bahia anunciou restrição total das atividades não essenciais a partir das 17h de hoje, até às 5h da próxima segunda-feira. O governador baiano, Rui Costa (PT), afirmou que só funcionará o que for “saúde pública ou venda de alimentos”. A medida vale para todos os 417 municípios. Em Salvador, as praias e passeios de escuna já tinham sido proibidos anteontem.

No Piauí, Teresina atingiu 100% de ocupação de UTIs nesta semana, levando o governador doestado, WellingtonDias( PT ), a decretar toque de recolher entre 23h e 5h. Medidas semelhantes foram adotadas em Goiás, Pernambuco, Ceará, Paraíba e São Paulo, que nesta semana chegou ao maior índice de internações de toda a pandemia. O governo paulista anunciou anteontem a restrição na circulação de pessoas entre 23h e 5h da manhã, até 14 de março.

NAU SEM RUMO

Para a especialista em saúde pública e sanitarista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ligia Bahia, o lockdownéu ma medida cientificamente comprovada, eé preciso fazê-lo de forma “radical e por pouco tempo”.

— É bom que governadores estejam efetivando políticas mais radicais de isolamento social, porque agente vai conseguir verna prática uma diminuição( do contágio ). É um esforço louvável que um governante se apresente como intérprete das orientações científicas. São medidas bem vindas, corretas, e agente bate palmas para os governadores que fizerem isso. O Brasil vai ter menos gente morrendo.

O médico sanitarista e exministro da Saúde José Gomes Temporão explica, porém, que no Brasil não se está vendo o lockdown, mas sim medidas restritivas.

— Impedir circulação das 23h às 5h, quando 90% das pessoas estão em casa, é uma medida inócua. Uma coisa que dura de hoje a segunda-feira não consigo entender bem, é claramente insuficiente. Como jogamos fora uma coisa preciosa que é a coordenação nacional, estamos navegando num nevoeiro denso sem timoneiro. Os gestores estaduais e municipais foram abandonados à própria sorte, e a sociedade idem, não há comunicação, transparência ou orientação. Gestores, governadores ou prefeitos não têm apostura de sentar com os cientistas e tomar as decisões que devem ser tomadas. É porque tem um custo de político, e estão mais de olho nas urnas do que na defesa da vida.