O globo, n. 31980, 26/02/2021. Economia, p. 16

 

Relator desiste de retirar piso de saúde e educação

Geralda Doca

Julia Lindner

Fernanda Trisotto

Gustavo Maia

26/02/2021

 

 

Votação da PEC que abre caminho para pagamento do auxílio é adiada para a próxima semana. Bolsonaro promete quatro parcelas do benefício a partir de março. Secretário do Tesouro diz que proposta precisa ter contrapartidas

Após dias de impas seque fizeram o Senado adiara votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que libera o pagamento do auxílio emergencial, o relator do projeto, senador Márcio Bittar (MDB-AC), decidiu retirar do texto o trecho que acaba com os pisos para gastos com saúde e educação. Em entrevista ao GLOBO, Bittar disse que percebeu que, se insistisse, poderia sofrer derrotas em outras medidas de ajuste fiscal incluídas no texto, como a possibilidade de congelar salários de servidores em caso de calamidade pública. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o benefício será pago em quatro parcelas de R $250 a partir de março.

—Serei obrigado a fazer isso. O plenário não quis sequer discutir a questão da desvinculação —disse Bittar, que revelou indignação por ainda não ter conseguido nem fazer a leitura do relatório.

Enquanto o Congresso não chega a um acordo para votara PEC que destrava o auxílio, mais 22 milhões de pessoas caíram na pobreza este ano em um cenário de pandemia e atividade econômica lenta.

O texto apresentado pelo senador no início da semana autoriza que o governo pague o auxílio fora das travas fiscais, sem a necessidade de cortar imediatamente em outras áreas. No entanto, propunha uma série de medidas que, na avaliação do relator e do governo, ajudam no controle das contas públicas no futuro.

Uma delas trata da obrigação constitucional de que União, estados e municípios apliquem percentuais mínimos em saúde e educação. Na avaliaçãoda equipe econômica e de Bittar, a medida engessa o Orçamento. No entanto, é criticada por parlamentares e entidades, que veem risco de que comprometimento de investimentos em áreas essenciais.

CONGELAMENTO DE SALÁRIO

Com o recuo de Bittar, o principal ponto relacionado ao ajuste fiscal da proposta passa a ser o que técnicos chamam de gatilhos — medidas de contenção de gastos, como congelamento de salários de servidores, que podem ser acionadas caso o país entre em calamidade pública. O acionamento das travas não seria automático e precisaria de uma ação conjunta entre governo e Congresso, mas a inclusão desse dispositivo na Constituição é considerada fundamental pela equipe econômica para sinalizar uma trajetória de responsabilidade fiscal à frente.

— Se eu insistir com o relatório, vou perder os gatilhos —admitiu Bittar.

Aliados do governo tentam conter negociações no Congresso para fatiar a proposta, o que faria com que só o trecho sobre o auxílio emergencial fosse votado, deixando as medidas de ajuste para depois. Ontem, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, disse que essa possibilidade teria consequências negativas para a economia, como aumento de juros e desemprego.

— Imagina que fatie (a proposta) e ande só o auxílio emergencial: essa pessoa que vai ser beneficiada como auxílio emergencial vais e rames maque vai ficar desempregada por algum período depois, se não tiver essas contrapartidas que tragam a possibilidade de recuperação da economia — avaliou Funchal, durante a divulgação de dados sobre as contas públicas de janeiro.

O recuo do senador ocorreu após um dia tenso. Inicialmente, o governo e a cúpula do Congresso chegaram a prever que a PEC seria votada ontem. Mas a resistência aos trechos sobre freio nas despesas atrasou os trabalhos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), confirmou que o texto deve ser votado em dois turnos na próxima quarta-feira, o que permitiria encaminhar a proposta à Câmara dos Deputados.

SEM LEITURA EM PLENÁRIO

No início da noite, o governo tentou viabilizar a leitura do relatório da proposta, mas não conseguiu. Sob risco de o texto ir à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e atrasar mais o trâmite, com apoio até mesmo de aliados, desistiu da empreitada. Coma promessa de um novo parecer, o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE), aceitou que a etapa seja realizada na terça-feira.

Bolsonaro disse ontem que o pagamento do benefício deve começar em março, apesar do impasse no Legislativo. Em transmissão ao vivo nas redes sociais, ele afirmou que a União pagará quatro parcelas de R$ 250 na nova fase.

—Estive hoje com o Paulo Guedes. A princípio, o que deve ser feito: a partir de março, por quatro meses, R$ 250 de auxílio emergencial. É isso que está sendo disponibilizado. Está sendo conversado ainda, em especial com os presidente da Câmara e do Senado — afirmou o presidente, que ainda previu para julho uma nova proposta para o Bolsa Família, sem dar detalhes.