Título: Os sonhos brasileiros adiados pela crise americana
Autor: Correia, Karla
Fonte: Jornal do Brasil, 30/11/2008, País, p. A6

Eles tentaram a sorte nos EUA, faturaram, mas voltaram para casa

Karla Correia

BRASÍLIA

Aos 20 anos, Fabiana Machado Puggi deixou para trás família, amigos e o segundo ano do ensino médio em Governador Valadares (MG) à procura de um salário pago em dólares. Instalou-se em Boston (EUA), onde viveu os tempos áureos dos emigrantes brasileiros em território norte-americano. Nos oito anos passados nos EUA, casou-se com um brasileiro, teve uma filha, juntou dinheiro trabalhando como empregada doméstica. No início do ano, viu o emprego minguar, os salários encolherem e, para sua surpresa, os postos de trabalho menos qualificados passarem a ser visados pelos próprios americanos.

¿ Meu marido não conseguia mais trabalhar como pintor de casas e eu vi o número de casas em que eu trabalhava encolher cada vez mais ¿ conta Fabiana, personagem de um êxodo às avessas que tem caracterizado a cidade mais tradicional como origem de emigrantes brasileiros. Desde janeiro deste ano, algo em torno de quatro mil valadarenses retornaram à sua terra natal por conta da crise que se abateu sobre a economia norte-americana, segundo dados preliminares de pesquisa conduzida pela socióloga Sueli Siqueira, da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), sobre emigrantes.

¿ A crise atingiu em cheio o setor da construção civil, que absorvia grande parte dos trabalhadores brasileiros instalados nos EUA ¿ observa Sueli. ¿ Com a redução do número de postos de trabalho e do valor da hora trabalhada, o custo de abandonar o lar, a família, passou a não compensar mais para os brasileiros. Que, agora, estão de volta.

É o caso de Fabiano de Souza Rodrigues, que chegou em 1999 na cidade norte-americana de Framingham (estado de Massachussetts) disposto a seguir a dura rotina de trabalho dos emigrantes brasileiros nos EUA. Nove anos depois, Fabiano é o retrato dos reflexos da crise econômica na comunidade brasileira que vive no hemisfério norte. No auge da bolha imobiliária, comprou imóvel na cidade onde trabalhava sem ao menos ter os documentos regularizados. Hoje, de volta a Muriaé, no interior de Minas, possui dois apartamentos. Passados quase 12 meses de seu retorno, contudo, ainda não tem emprego fixo no Brasil.

¿ Mas é melhor do que viver com medo da imigração, trabalhando longe de sua terra e ganhando pouco ¿ desabafa.

Cidade teme impacto

Segundo a socióloga Sueli Siqueira, os brasileiros que estão voltando agora para Governador Valadares têm capacidade de investimento menor do que aqueles que retornaram antes, por outros motivos que não a crise. Há três anos, cada valadarense que regressava à cidade trazia consigo uma média de R$ 400 mil. Esse dinheiro normalmente era investido em imóveis próprios, geralmente mais de um por família. Hoje, essa média não ultrapassa os R$ 150 mil.

O volume de remessas de dólares para a cidade também sofreu um forte impacto com a crise. De acordo com o vice-prefeito da cidade, Augusto Barbosa, até o ano passado a média de remessas chegava a R$ 150 milhões por ano. É o equivalente a um terço do orçamento da cidade previsto para 2009, de R$ 450 milhões.

¿ Só neste ano, a queda nesse montante foi de R$ 50 milhões, por conta da crise e do regresso das pessoas ¿ conta Augusto.