Título: Não sabemos o tamanho da recessão
Autor: Dantas, Cláudia
Fonte: Jornal do Brasil, 30/11/2008, Economia, p. E1

Para presidente do Ipea, mundo vive crise sistêmica e superação dependerá de decisão política

Cláudia Dantas

O tamanho do rombo financeiro que arrebatou as maiores economias do mundo supera a casa dos US$ 600 trilhões, 10 vezes mais que o PIB do planeta, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Diante deste cenário, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, considera que todos os países serão afetados, incluindo o Brasil. Para Pochmann, "vivemos uma crise sistêmica", em que o caminho não reside só na discussão da regulação financeira. É preciso recriar uma nova ordem mundial, repensar o padrão de consumo, de expansão e desenvolvimento do planeta, sem esquecer do aspecto ambiental.

O presidente do Ipea diz ainda que a superação da crise dependerá de decisões políticas, e que 2009 será um grande teste para o governo Lula. Em um contexto de desaceleração econômica, "empresas reduzirão investimentos, famílias conterão o consumo". Só o setor público poderá intervir. Por isso, insiste que é fundamental mudar a composição do gasto brasileiro, reduzir a taxa Selic e desperdiçar menos com o pagamento de juros. Sobrará mais recursos públicos para manter o nível de atividade, proteger o emprego e a produção nacional, em um ano que promete ser bastante turbulento para todos os brasileiros.

O senhor acredita que a crise mundial atingirá o Brasil em 2009?

Todos os países serão afetados. Uns em maior e outros em menor medida, dependendo da posição relativa de cada país. Os países que não são considerados desenvolvidos não serão afetados como nas crises financeiras anteriores, como a balança de pagamentos era diretamente atingida. No caso do Brasil, o país está em condições muito melhores do que à época da crise de 99, por exemplo. Mas a recessão atual não está internalizada, ocorre no epicentro do capitalismo. Uma parte dela é desconhecida, são aplicações em derivativos e demais operações secutirizadas que não eram registradas. Não há autoridade pública no mundo que conheça, de forma precisa, os fundamentos de manifestação dessa crise. É bem diferente das crises de 1929, 1984 ou 1987 pela manifestação da economia real. Essa recessão atual ainda não se manifestou na totalidade, e não sabemos o tamanho dela, porque ocorre à sombra do sistema financeiro.

Qual o tamanho dessa crise?

É difícil fazer um julgamento preciso, mas trabalhamos com a hipótese de que é uma crise sistêmica, que começou do ponto de vista do crédito imobiliário, transformou-se em uma crise financeira, atingindo em cheio os bancos, até chegar à economia real, no setor produtivo. Possivelmente trará conseqüências para a sociedade e, sobretudo, efeitos políticos. No próximo ano, o tema da crise se transformará em um dos elementos principais da agenda política do Brasil e do mundo. O assunto será um elemento novo na decisão de 2010.

Nesse contexto, como o senhor avalia a política monetária conduzida pelo Banco Central, uma vez que o Brasil tem uma das taxas de juros mais altas do mundo?

Não devemos ter uma visão estreita e isolar a condução do governo especificamente à política monetária e fiscal. São elementos importantes, mas o governo é um conjunto de ações que nem sempre são convergentes. Muitas vezes, são até contraditórias. No âmbito geral, a ação do governo me parece positiva, na medida em que os indicadores existentes apontavam para um movimento de expansão da atividade produtiva, em bases sustentadas, a partir de investimentos públicos e privados. O alargamento da produção brasileira esteve também acompanhado de uma melhora do ponto de vista distributivo, seja na distribuição pessoal da renda, seja na ampliação da participação dos trabalhadores na renda nacional, depois de um longo período de crescimento econômico reduzido nos anos 90. A perspectiva nos parecia favorável, mas é claro que temos contradições no interior do conjunto da política governamental, e uma delas ¿ e não é a única ¿ se dava justamente pelo tema monetário e fiscal. Mas a questão é que há um elemento novo que impõe uma maior radicalidade na postura governamental, e possivelmente isso exigirá, por parte do presidente, uma decisão mais explícita nessa contradição entre política monetária e fiscal.

O senhor considera que é o momento de reduzir a taxa de juros para estimular o crédito?

O Brasil ainda está limitado ao debate em torno do combate à inflação. O ano de 2008 vai encerrar-se com dois surtos de inflação, que foram originados internamente. Um deles, no início do ano, ocorreu por causa de uma elevação do preço das commodities, e isso fez com que o Banco Central subisse os juros. Os efeitos de tal medida, um cenário de desaceleração, só são percebidos depois de seis, sete meses. O outro surto inflacionário decorreu da maxidesvalorização do real, que certamente traz impactos ao setor produtivo dependente de insumos importados, e mesmo na formação de preços de cotação internacional. Para nós, pouco adianta elevar a taxa de juros, porque não se trata de uma inflação de demanda, de um consumo exacerbado. Novamente, é uma inflação associada a um choque externo, e para o qual o comportamento da taxa de juros é, para não dizer nulo, residual.