Título: Devemos crer em princípios eternos
Autor: Dom Eugenio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 26/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

O extraordinário progresso moderno contém em seu seio uma patologia social

Jamais um país conseguiu sobreviver, por largo espaço de tempo, unicamente por sua riqueza material, extensão geográfica, em suma, pelo crescimento econômico. Como o corpo sem alma se torna cadáver, assim advém à comunidade política a corrupção e a morte quando lhe falta um mínimo de estrutura espiritual. Essa é a lição da História, creio, sem uma só exceção que contrarie a regra. Recordemos, a título de exemplo, o poderoso e aparentemente inabalável Império Romano. A licenciosidade, elevada até aos altares pagãos, fez mais que ferrenhos inimigos.

O extraordinário progresso moderno contém, em seu seio, uma patologia social. O falso título de cultura não encobre o mal nem imuniza seus efeitos destruidores sobre toda a comunidade.

O homem de hoje vai perdendo, em grande parte, a capacidade de crer em princípios eternos e afirmar valores autênticos. Surgem heróis para lutar contra as injustiças sociais, mas escasseiam os batalhadores em prol de uma ordem moral, fundamentada em Deus. Vive-se, atualmente, um clima que nos impele a consumir cada vez mais. Tanto o dinheiro como o corpo, particularmente o sexo, tornaram-se uma obsessão. Tudo se transforma em mercadoria, que a qualquer preço deve ser adquirida. Provoca-se o público para comprar mais, sem preocupações com a natureza moral desse comércio. Uma restrição justa gera, imediatamente, protestos, pois atinge interesses materiais, o prazer, supremo critério de uma civilização em declínio.

Muito se lutou em favor da liberdade de expressão, absolutamente legítima e necessária. No entanto, vejamos os títulos de alguns filmes e peças teatrais. Logo concluiremos que ela está sendo aproveitada para a libertinagem. Este é o caminho certo para solapar o que enobrece o homem.

Há anúncios comerciais que agridem os sentimentos honestos e até religiosos.

Importa vender o produto, relacionando-o aos baixos instintos, encher as salas, ou garantir a tiragem das publicações e o sucesso financeiro de rádios e televisões, mesmo à custa da dignidade humana e do apreço à crença dos cidadãos.

Busca-se destruir o sentido do pudor e da virtude, levando-os ao ridículo. Em novelas - e são várias - personagens diversos apregoam princípios errôneos. Alegar que a maldade está no gosto depravado ou apenas retrata uma realidade já existente, é sofisma. Os impulsos desenfreados ou as deformações de caráter, em vez de serem alimentados, devem ser corrigidos. O crime não possui prerrogativas. Propor como normal o que há nas sarjetas é ampliar o poder do mal, contaminar ainda mais a sociedade e não a imuniza.

A presença contínua desse bombardeio destrói a família e perverte profundamente a natureza de um lar verdadeiro. São milhões e milhões de pessoas em nossa Pátria, que sofrem essa influência ou pautam suas atitudes pelo comportamento de alguns personagens.

Essa campanha sistemática anestesia a consciência crítica e torna aceitáveis as aberrações. Cria uma nova ética, a do Admirável mundo novo, de Aldous Leonard Huxley. Surge um tipo-padrão da pior qualidade, forçando uma adaptação a falsos modelos. Tudo o que muitos fazem, como despir-se nas praias, vem a ser aceitável.

Propalou-se muito a necessidade de não se reprimir os instintos, inclusive sexuais, para evitar frustrações e traumas. Se a felicidade foi alcançada pela atual juventude, respondam a proliferação das drogas, a licenciosidade mais desenfreada, a violência. Quando gritam em prol da total emancipação, apenas o fazem para conduzir à pior escravatura.

As perversões morais, utilizando os poderosos instrumentos de divulgação, geram uma autoridade anônima, invisível. Os pais e educadores se vêem diante de uma fatídica lei, a da conformidade: ser como os outros. O indivíduo se submete à manada, à massa.

Grande importância goza a comunicação social. Ensina, a respeito, o Documento de Puebla (nº 1066): ''Incide em toda a vida do homem e sobre ele exerce, de maneira consciente ou subliminar, uma influência decisiva''. E adiante: (nº 1069): ''A exploração das paixões, dos sentimentos, da violência e do sexo, com objetivos consumistas, constitui uma flagrante violação dos direitos individuais''.

Este é o panorama em que vivemos. A reação deveria partir dos próprios cidadãos, mas tal não ocorre. Cabe, então, à autoridade civil elaborar leis que coíbam as deformações. Deletério não é apenas o tóxico. O fato de ter havido erros ou excesso da censura não justifica permitir tamanhos abusos. Para isso, impõe-se a coragem de assumir a impopularidade para salvaguardar o bem comum.

Diz São Paulo (Rm 13,3-4): ''Os que governam metem medo quando se pratica o mal, não quando se faz o bem (...) não é à-toa que a autoridade traz a espada: ela é instrumento de Deus para fazer justiça e punir quem pratica o mal''.

O cristão sabe distinguir entre a livre expressão e a libertinagem que deforma e destrói. O futuro não pode ser sacrificado aos interesses de grupos, preocupados em estimular os instintos e aumentar o consumo à custa da saúde moral do nosso povo. O cidadão honesto apóia as medidas coibitivas, tendo em vista sustar a expansão do amoralismo que subverte os fundamentos de uma nação.

O nome sagrado de Liberdade não se confunde jamais com o pretenso direito de explorar a licenciosidade. A audácia de alguns não deve inibir os que não concordam com a situação reinante. Repete-se séculos afora a observação do Senhor, na parábola do administrador infiel (Lc 16,8).

No seu livro Memória e identidade, vindo a lume recentemente, o Papa João Paulo II trata do aborto como ''destruição da vida humana''. Deus cobrará de nós se houver omissão da parte dos católicos na defesa dos princípios que impedem a ''destruição da vida humana'', na expressão do Santo Padre.