Título: Racismo e História
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 27/11/2008, Opinião, p. A9

ex-ministro chefe da Casa Civil

No momento em que o país comemora o 20 de novembro como Dia da Consciência Negra, com atos e manifestações, e faz um balanço dos avanços nos direitos da população afro-brasileira ¿ começando pelas cotas nas universidades e pelo aumento da consciência contra o racismo e o preconceito, assistimos a uma triste recaída.

Infelizmente, partiu de um dos ramos das Forças Armadas do país, da Marinha. Em nota oficial, ela declarou que a Revolta da Chibata, em 1910, comandada pelo marinheiro negro João Cândido (1880-1969), foi um "triste episódio na História do país".

A Marinha não condena a chibata, os castigos físicos e nem os métodos de alistamento militar utilizados então, quando os conscritos negros eram caçados a laço ¿ contra os quais Cândido liderou o movimento ¿ mas condena a revolta por causa das vítimas entre os oficiais (quatro) e a população civil (duas crianças) do Rio de Janeiro, bombardeado. Pior, a Marinha não condena a prisão de João Cândido, sua expulsão da Marinha, sua vida na miséria e nem o assassinato de seus 16 companheiros.

O governo reconheceu o "Almirante Negro" João Cândido como um herói, tendo o presidente da República comparecido ao ato de inauguração de uma estátua em sua homenagem na Praça 15, no Centro do Rio, mas a Marinha não enviou representantes. Pior, declarou por meio de seu serviço de comunicação, que não via "heroísmo nas ações daquele movimento", embora tenha complementado nada ter "a opor à colocação da estátua, desde que haja o cuidado de evitar inserções ofensivas à Força e às vítimas dos amotinados".

Nada mais ridículo, já que a inserção ofensiva à Marinha é a verdade histórica que devia envergonhar os oficiais, o uso da chibata e o alistamento forçado. Em matéria de revoltas e rebeliões com mortes de oficiais e civis, infelizmente a História da Marinha, da Aeronáutica e do Exército brasileiros registra várias ¿ só para citar uma emblemática, a dos 18 do Forte, todos mortos pelas forças legalistas e o único sobrevivente, Eduardo Gomes, transformado em patrono da FAB.

A despeito da posição da Marinha, uma pesquisa do Datafolha nos dá alento na luta contra o racismo e o preconceito; mostra que eles vêm perdendo força no país e mais, que as medidas governamentais e o debate público vêm diminuindo não só o racismo como aumentando a auto-estima dos negros. Hoje, somente 37% dos brasileiros se reconhecem como brancos (em 1995 eram 50%).

Ainda na comparação com a pesquisa de 1995, vemos que medidas adotadas nos últimos anos fizeram diferença. Entre elas, as cotas. Já são 82 instituições públicas com programas afirmativos, há o Prouni, o tributo à memória (no governo FHC) de Zumbi, oficialmente homenageado no dia 20, o reconhecimento dos quilombos, a valorização da cultura negra com reconhecimento do papel dos negros na nossa História e de sua cultura nos currículos escolares, sua inserção na publicidade e na mídia, a criação do ministério do combate ao racismo e, por fim, o envio ao Congresso do Estatuto da Igualdade Racial, bem como o aumento da escolaridade, do emprego e da renda.

Ainda assim, há muito que fazer, porque há um racismo velado: 91% reconhecem existir preconceito, mas apenas 3% admitem tê-lo; as diferenças sociais entre negros e brancos continuam grandes tanto na escolaridade ¿ em 1995 só 18% de negros cursavam a universidade, em 2007 já eram 31% ¿ quanto nos salários. A mulher negra ganhava 38% do salário da branca em 95 ¿ em 2007 já ganhava 56%. O homem negro ganhava 58% e hoje ganha 62%. Na avaliação da renda, a nova pesquisa mostra que só 22% dos negros estão entre os 10% da população mais rica. Dos 10% mais pobres, no entanto, 68% são negros.

Há uma luta pela frente e um grande desafio ao país, já que a desigualdade social, no caso dos negros, é agravada pelo preconceito e pelo racismo velado. Precisamos, como tem feito o governo Lula, avançar não só em políticas afirmativas, mas em políticas públicas para a criação de mais empregos, na elevação da renda de toda população brasileira, e de sua escolaridade, para que a desigualdade diminua, eliminando um dos principais fatores que alimentam o racismo.