Correio Braziliense, n.21113 , 15/03/2021. Política, p.2/3

 

Pazuello por um fio, Ludhmila no Palácio

Luiz Carlos Azedo

15/03/2021

 

PODER » Após ouvir aliados e integrantes do Centrão sobre a possível abertura de uma CPI da Pandemia, o presidente Bolsonaro articula a saída do ministro da Saúde. O presidente se reuniu com a médica intensivista, mas a nomeação ficou incerta na noite de ontem

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, está com um pé fora da pasta, mas o presidente Jair Bolsonaro ainda não encontrou um substituto para o general. O chefe do Executivo reuniu-se ontem à tarde no Palácio da Alvorada com a médica cardiologista e intensivista Ludhmila Abrahão Hajjar — que chegou a ser anunciada como nova ministra pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) —, mas não bateu o martelo. Pazuello também participou da conversa e, após encontro, anunciou que não estava doente nem havia deixado o cargo. Nas redes sociais, a médica goiana, que é supervisora cardio-oncologista do Hospital das Clínicas e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), passou a sofrer intenso bombardeio dos bolsonaristas nas redes sociais, por causa de entrevista ao Jornal Opção, de Goiânia, no último dia 7. Sua nomeação subiu no telhado.

A fritura de Pazuello começou na manhã de sábado, quando a cúpula do Congresso se reuniu na residência oficial do Presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para discutir a promulgação da PEC do auxílio emergencial. Participaram da reunião o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira; os líderes do governo no Senado, senador Fernando Bezerra (MDB-PE); na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR); e no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO). A conversa derivou para a crise sanitária e a situação insustentável de Pazuello no Congresso, apesar de todas as oportunidades que o ministro teve explicar a crise e oferecer alternativas convincentes de combate à pandemia aos deputados.

Com Pazuello no Ministério da Saúde, será praticamente impossível para o governo evitar a instalação da chamada CPI da Pandemia, ainda mais depois das duras cobranças feitas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que criticou a condução dada pelo governo ao enfrentamento da crise sanitária no seu primeiro pronunciamento após a anulação de suas condenações pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. Responsável pela articulação política do governo, o ministro da secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que havia se incorporado à reunião, levou ao conhecimento de Bolsonaro a opinião de seus aliados. Não é de agora que os líderes do chamado Centrão querem desmilitarizar o Ministério da Saúde, hoje comandado por uma equipe despreparada para gerenciar o Sistema Único de Saúde (SUS).

Vazamentos

Ao ouvir o relato dos aliados, o presidente Bolsonaro mobilizou os generais do Palácio do Planalto para uma conversa com Pazuello. O encontro ocorreu na noite do sábado, no hotel de trânsito do Exército em Brasília, onde o ministro mora. Participaram da reunião os generais Fernando Azevedo, ministro da Defesa; Walter Braga Neto, ministro da Casa Civil; além do ministro Ramos, porta-voz da insatisfação dos políticos. Pazuello foi comandante da Brigada de Paraquedistas quando o general Azevedo foi Comandante do Leste, tendo Braga Neto como chefe de Estado-Maior e Ramos, comandante da Vila Militar. Os quatro formam um grupo político que hoje dá as cartas no Palácio do Planalto. Na conversa, Pazuello foi informado por Bolsonaro de que precisaria ser substituído.

A decisão acabou vazando na manhã de ontem, por causa da reunião com Ludhmila, marcada para o Palácio do Alvorada, na tarde de ontem. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a defender no Twitter a indicação da médica goiana para a pasta, por causa da “capacidade técnica” e do “diálogo político”. Além de Lira, é extensa a lista de autoridades de Brasília que receberam cuidados da médica intensivista quando contraíram covid-19: o deputado Rodrigo Maia; o senador Davi Alcolumbre; o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM); o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, o ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas.

A indicação pegou de surpresa até a Frente Parlamentar da Saúde, que prefere na pasta um político com experiência de gestão no SUS. Esses parlamentares desejam ver no cargo o presidente da Comissão de Seguridade Social da Câmara, Dr. Luizinho (PP-RJ ), que já foi secretário estadual de Saúde. Entretanto, o parlamentar tem excelente relacionamento com Pazuello e acabou de assumir o comando da comissão. Ele diz que não pleiteia a pasta.

O maior bombardeio contra Ludmila, porém, vem dos bolsonaristas. Natural de Anápolis (GO), a médica defende posições que se chocam frontalmente com as do presidente Jair Bolsonaro, mais ou menos como aconteceu com o ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que ficou um mês no cargo e pediu demissão. Nas redes sociais e na mídia, a médica tem defendido o uso de máscaras, o isolamento social e criticado o chamado “tratamento precoce”.

É duro para Bolsonaro uma mudança de rota como essa, ainda mais com a mídia atribuindo a queda de Pazuello às exigências do Centrão e às críticas do ex-presidente Lula. Mas é o que seu governo precisa para enfrentar a pandemia.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

A médica que cuidou do general

Bruna Lima

15/03/2021

 

Não é a primeira vez que a cardiologista Ludhmila Abrahão Hajjar é cotada para assumir a gestão do ministério que lidera as ações de combate à pandemia da covid-19. Quase um ano após o nome ter sido apontado para substituir o então ministro Luiz Henrique Mandetta, a médica voltou ao radar. Ela se reuniu ontem com o presidente da República, Jair Bolsonaro. Mas a nomeação ainda está em suspense.

Hajjar não assumiu o ministério da Saúde em abril de 2020, mas passou o ano na linha de frente da covid-19. Desenvolveu pesquisas e tratou pacientes, incluindo o atual chefe da Saúde, Eduardo Pazuello, quanto este testou positivo para o vírus.

Formada pela Universidade de Brasília (UnB), Ludhmila é especialista em clínica médica — dirige a própria clínica em São Paulo — cardiologia, terapia intensiva e medicina de emergência. Também é professora da Associação de Cardiologia da Faculdade de Medicina da USP, diretora de tecnologia e inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, coordenadora de cardio-oncologia do InCor, além de participar de atividades assistenciais, de ensino e pesquisa.

Natural de Anápolis (GO), participou das decisões de enfrentamento junto ao prefeito Roberto Naves (PP), como conselheira médica. Ela atuou, ainda, como Coordenadora da UTI Cardio Covid do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e exerce a especialidade na Incor e na rede de hospitais Vila Nova Star, tendo longa passagem, ainda, pelo Sírio Libanês.

Ainda no âmbito da pandemia, Hajjar foi uma das técnicas convidadas por Bolsonaro para discutir tratamentos e protocolos adotados contra a covid-19. Diferentemente do presidente, entretanto, a médica intensivista defende o isolamento social e é terminantemente contra o uso da cloroquina para o tratamento da covid-19.

Em entrevista recente ao Jornal Opção, a médica fez uma avaliação categórica sobre o enfrentamento da pandemia, sob responsabilidade direta de Eduardo Pazuello. "O Brasil está fazendo tudo errado na pandemia e está pagando um preço por isso". Ludhmila frisou a importância da vacinação e a necessidade urgente de rever as formas de condução da pandemia. "O que realmente faltou foi ciência, combater o negacionismo, união das classes. Não tem sentido, no momento em que as pessoas estão morrendo por falta de leitos, governador e presidente ficarem trocando farpas", avaliou.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Perfil técnico, apoio político

Maíra Nunes

Bruna Lima

15/03/2021

 

A possível substituta de Eduardo Pazuello é médica respeitada e, diferentemente de Nelson Teich, conta com a recomendação de autoridades de Brasília. Eventual sucessor tem o desafio de reconstruir a autoridade do ministério ante o agravamento da covid-19  

Desejo e espero que todos os brasileiros em breve estejam vacinados contra a covid-19”. A frase, dita em 15 fevereiro após receber a segunda dose da CoronaVac, é da cardiologista Ludhmila Abrahão Hajjar. Cotada para ser a nova ministra da Saúde, a médica é conhecida por ser técnica, defensora da ciência e crítica de tratamentos à base de medicamentos sem eficácia comprovada.

Com esse perfil, a indicação para substituir Eduardo Pazuello, em um primeiro momento, é vista com estranheza.

Por mais de um ano de enfrentamento à pandemia, o presidente da República fez oposição ao uso de máscaras, atuou como garoto propaganda da cloroquina e desdenhou da letalidade da doença.

A mudança, no entanto, faz parte da nova estratégia adotada por Jair Bolsonaro e promete ser inédita diante das sucessivas trocas de lideranças da pasta central no enfrentamento à crise sanitária.

Caso a demissão do ministro Eduardo Pazuello se confirme e Hajjar seja a sucessora, será a quarta mudança na pasta da Saúde em meio à pandemia. E a primeira mulher a assumir a liderança do ministério. O diferencial vai além: ao contrário do atual chefe da pasta, a cardiologista atua na área. O antecessor, Nelson Teich, apesar de ser médico, não assumiu o cargo com apoio político.

Amiga pessoal do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), Hajjar também tem boa articulação com diferentes figuras do Legislativo.

Do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), a médica recebeu apoio declarado à nomeação. “Coloquei os atributos necessários para o bom desempenho à frente da pandemia: capacidade técnica e de diálogo político com os inúmeros entes federativos e instâncias técnicas”, publicou nas redes sociais, para descrever a médica.

Hajjar também é respeitada no setor em que atua. É braço direito de Roberto Kalil, diretor geral do Centro de Cardiologia do Sírio-Libanês e da divisão de Cardiologia Clínica do Instituto do Coração (InCor). “A doutora Ludhmila trabalha comigo há 14 anos. É uma excelente técnica, profissional e médica determinada.

Está 24 horas pensando nos pacientes e em pesquisa. Ela vive para isso”, defende Kalil.

Gestor em saúde e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Adriano Massuda defende que a mudança na Saúde é “urgente”.

“O general Pazuello conseguiu ser o responsável por uma resposta desastrosa do país à pandemia, mas também foi responsável pela desestruturação de áreas estratégicas do Ministério da Saúde”, argumenta. Massuda aposta que o principal desafio será montar uma equipe capaz de reestruturar a pasta para que volte a ter autoridade sanitária.

Por não ter experiência no sistema de saúde público, o especialista ressalta que o êxito de uma nova gestão está na formulação de uma equipe que tenha condições de compreender a saúde pública e o sistema de saúde para assessorá-la. “Ter alguém da área de saúde, como a doutora Ludhmila, é algo positivo, mas uma pessoa sozinha não dá conta de gerenciar o MS. Ela terá que montar sua equipe e reestruturar a pasta para que o ministério volte a ter autoridade sanitária. Se não tiver uma boa equipe, a iniciativa será frustrada como foi a de Nelson Teich, que também era um bom nome, mas não teve condição de trabalhar”, argumenta.

Na reunião que teve com o presidente Bolsonaro, a médica deixou claro suas exigências para assumir o Ministério da Saúde: terá que entrar com autoridade, nomear sua equipe e ter aval para executar mudanças. A informação foi confirmada por fontes do Correio.