Título: A ação dos bancos centrais
Autor: Santos, Antonio Oliveira
Fonte: Jornal do Brasil, 01/12/2008, Opinião, p. A10

PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO

A crise financeira nos Estados Unidos, que já levou à falência grandes bancos e empresas seguradoras, é uma repetição, em escala muito maior, do que ocorreu no Brasil, em 1998, com a quebra dos bancos Nacional, Econômico, Bamerindus e outros. Na base da crise, tanto lá como aqui, está o desleixo das autoridades, principalmente dos bancos centrais, na regulação e fiscalização do sistema bancário.

Os bancos são instituições de alto risco, que só navegam bem em mar calmo. O sistema trabalha na base de reservas fracionárias, isto é, emprestam muitas vezes mais do que seu capital próprio e suas reservas. Por isso mesmo, nenhum banco agüenta uma corrida de seus depositantes, que começa com um banco e logo se transforma em uma crise sistêmica, se não houver uma autoridade forte e uma adequada "política de repressão e salvamento". Entre os casos mais notáveis de falência, no Brasil, figura o de um grande banco que fraudou sua contabilidade e enganou o público durante DEZ anos, sem que a empresa de auditoria e o Banco Central se dessem conta da gravíssima situação. A criação do Proer salvou o resto do sistema, que hoje permanece sadio e confiável. A experiência ensina que as crises sistêmicas, como a atual, têm de ser atalhadas prontamente, através de medidas fiscais e monetárias.

Os bancos centrais, desde sua origem no século 18, têm duas responsabilidades fundamentais: controlar o nível da liquidez monetária, para evitar inflação ou deflação, e zelar pela saúde do sistema, mediante rigorosa regulação, como a que se prescreve no Acordo da Basiléia. Mas a maioria dos BCs acredita mesmo é na manipulação da taxa de juros, algo que há muitos anos vem escapando à capacidade de influência das autoridades monetárias.

Nos últimos 40 ou 50 anos, ganharam força as operações de securitização e de mercado futuro nas bolsas de mercadorias, onde um importante e saudável sistema de hedge acabou nas mãos de especuladores astuciosos, que transformaram os fundos de investimentos e as bolsas de valores e de futuros em verdadeiros cassinos, imunes à fiscalização. Um bom exemplo é o dos fundos hipotecários nos Estados Unidos, baseados em garantias podres (subprimes), que, através da leviandade do sistema de securitização, promoveu uma irresponsável alavancagem de operações, pelo mundo afora, até transformar-se em incontrolável crise sistêmica. Outro exemplo é o do mercado de café, cuja produção física anual é de cerca de 130 milhões de sacas, enquanto somente nas bolsas são operados contratos de futuros em montante pelo menos 10 vezes superior. Atualmente, o preço do café é feito nas bolsas de Nova York e Londres, e não mais no mercado de compradores e vendedores.

Começaram a virar moda e a popularizarem-se os fundos de commodities, surgidos no boom da valorização do petróleo, das matérias primas e alimentos, cujos preços subiram astronomicamente diante das pressões de demanda da nova China e do surto dos países emergentes. Esses fundos oferecem uma valorização inicial inusitada, que atrai milhões de investidores, com lucros impressionantes. Quando o mercado percebe que essa valorização não tem apoio na realidade, a "bolha" explode e o pânico toma conta do mercado. É o que está acontecendo.

Enquanto tudo isso ocorre, a olhos vistos, os bancos centrais, daqui e de todo o mundo, continuam acreditando que podem controlar o mercado através da manipulação das taxas de juros, conferindo ao sistema financeiro uma liberdade excessiva, que nada tem a ver com o sistema capitalista, como imaginam alguns ingênuos, de boa ou de má fé.

O Estado será melhor e mais eficiente quanto mais afastar-se da intervenção no domínio econômico. Mas não pode abdicar do controle e da fiscalização do mercado, através uma ação regulatória punitiva, eficiente e preventiva. É de sua responsabilidade.