Correio Braziliense, n. 21111, 13/03/2021. [Política], p.2

 

Irritação com estados que pagam auxílio

Bolsonaro critica governadores por criarem programas próprios de ajuda financeira, numa concorrência com o benefício que o Executivo retomará em abril. Presidente afirma que "quanto mais gente vivendo de favor do Estado, mais dominado fica esse povo"

Vicente Nunes

 

Depois de criticar os lockdowns, adotados por estados e municípios, e as medidas de restrição de circulação de pessoas, em especial, o toque de recolher determinado pelo Distrito Federal, o presidente Jair Bolsonaro partiu para cima do socorro financeiro dado pelos gestores estaduais a atingidos pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus. De novo, o alvo foi o governador da capital federal, Ibaneis Rocha, que se prontificou a pagar auxílio emergencial de R$ 408. Além do DF, benefícios semelhantes são concedidos por Rio de Janeiro e Ceará.

Em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, ontem, Bolsonaro — que chamou toque de recolher de estado de sítio — disse que a ajuda financeira dada pelos governadores é uma forma de "tirar a liberdade" das pessoas diante das medidas de confinamento, que suspendem várias atividades. O presidente mostra-se incomodado com a competição desses benefícios com o auxílio emergencial que o governo federal passará a pagar a partir de abril. Serão quatro parcelas com valor médio de R$ 250 cada, sendo a menor de R$ 175 e a maior, de R$ 375 (leia mais na página 6). O auxílio será retomado graças à aprovação, pelo Congresso, da PEC Emergencial.

"Pessoal vai devagar, devagar, tirando seus meios, tirando sua esperança, tirando seu ganha-pão, você passa a ser sustentado pelo Estado. Você viu que tem governador, agora, falando em auxílio emergencial? Querem fazer o Bolsa Família próprio", reprovou Bolsonaro. "Quanto mais gente vivendo de favor do Estado, mais dominado fica esse povo", enfatizou, incomodado porque tem sido muito criticado na condução da pandemia. O presidente tenta desqualificar as ações de estados e do DF para conter a disseminação do novo coronavírus, que está levando ao colapso os sistemas de saúde público e privado. Para especialistas e autoridades sanitárias, porém, o lockdown é a medida a ser adotada para frear o avanço da doença antes de a população ser vacinada.

Irritado, Bolsonaro disse ser contra todas as ações implementadas, como confinamento, toque de recolher e auxílio emergencial pago pelos estados. E repetiu declarações dos últimos dias, de que o povo não pode abrir mão de sua "liberdade", pois é o que "tem de mais sagrado". Ele também frisou que seria "fácil impor uma ditadura no Brasil" por meio das restrições de circulação pelas cidades. (Com Agência Estado)

 

Promulgação
Na próxima segunda-feira, o Congresso deve promulgar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial. A partir daí, o governo terá o respaldo para editar a medida provisória com os critérios para o pagamento da nova
rodada do auxílio.

 

Programas próprios
Em fevereiro, governadores e prefeitos criaram ou prorrogaram programas próprios para atenuar a ausência de renda e o desemprego acentuados com a pandemia da covid-19. A iniciativa ocorreu em cidades de, ao menos, 14 estados, diante da incerteza sobre a renovação do auxílio emergencial do governo federal.

 

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Guedes nega chantagem por benefício.

ROSANA HESSEL 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, negou, ontem, que o governo tenha feito chantagem para aprovar a PEC Emergencial, que abre caminho para a retomada do auxílio emergencial. “Particularmente do ponto de vista de oposição, tem muita distorção, muita narrativa que não condiz com os fatos. Por exemplo, (dizem) ‘ah, não quer dar o auxílio emergencial’, ‘estão fazendo chantagem’, ‘só entregam o auxílio emergencial se tiver essa pauta fiscal que não sabemos exatamente qual é’. Isso é falso”, sustentou.

Guedes explicou que o governo não poderia dar o auxílio emergencial sem autorização explícita do Congresso, por meio de uma PEC, para evitar que o chefe do Executivo cometa crime de responsabilidade fiscal. “Estamos no vácuo jurídico. O auxílio não saiu até hoje não é porque a Economia ou o presidente não quisessem. A política estava travada, havia uma disputa pelas Presidências da Câmara e do Senado e, praticamente, desligamos o relógio”, argumentou. Ele, inclusive, elogiou o empenho dos novos presidentes das Casas, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e o deputado Arthur Lira (PP-AL).  “Imediatamente, entramos em contato com Pacheco e Lira, e as conversas foram extremamente construtivas. Mas os Poderes são independentes e não aprovam 100% do que propomos”, emendou.

Em relação à polarização política, na avaliação Guedes, Bolsonaro foi um “fenômeno eleitoral” e, da mesma forma, o ex-presidente Lula. “O resto é circunstância, é paisagem”, disse, em referência aos demais possíveis presidenciáveis em 2022.

Na avaliação do ministro, a mídia está demorando para ver o lado positivo do governo e deveria fazer isso “justamente pelos serviços prestados pela democracia”. “O nosso governo pode ter maus modos de um lado, mas boas práticas razoáveis e algumas políticas de sucesso. Acho que a mídia deveria ver esse outro lado, em vez do negacionismo do governo Bolsonaro”, frisou. “Há um outro lado deste governo que parece rude nos modos e que parece acertar nas práticas. Outros governos, não eram rudes nos modos, mas tinham péssimas práticas.”