Correio Braziliense, n.21115 , 17/03/2021. Política, p.2

 

Queiroga avisa: seguirá cartilha de Bolsonaro

Israel Medeiros

Denise Rothenburg

17/03/2021

 

 

PODER » Novo ministro da Saúde promete "dar continuidade" ao trabalho de Eduardo Pazuello, que deixa a pasta com uma gestão controversa e recorde de mortes pela covid-19. Ele diz que executará a política do governo. Especialistas lamentam postura do cardiologista

Apesar da troca no comando do Ministério da Saúde, quem esperava uma mudança na estratégia de enfrentamento à pandemia se decepcionou com o que ouviu do novo titular da pasta, o cardiologista Marcelo Queiroga. Ele anunciou que dará continuidade ao trabalho do atual gestor, Eduardo Pazuello. Antes mesmo de iniciar o processo de transição, o médico tratou de deixar claro que fará tudo o que o presidente Jair Bolsonaro mandar.

"A política é do governo Bolsonaro, não do ministro. O ministro executa a política do governo", enfatizou. A declaração confirmou o que especialistas já apontavam: ele foi escolhido justamente porque não pretende se opor ao chefe do Planalto e será tão ou mais obediente do que Pazuello.

Ontem, enquanto Queiroga confirmava que a nova gestão continuará o trabalho feito, nos últimos meses pelo general, o Brasil teve seu pior dia desde o início da pandemia: registrou o recorde de 2.841 mortes em 24 horas e ultrapassou os 280 mil óbitos por covid-19 (leia reportagem na página 5). Essa média diária foi alcançada pelos Estados Unidos, em dezembro de 2020, quando ainda era o país na pior situação.

"É muito difícil Bolsonaro aceitar qualquer ministro que não se curve a ele, que não seja subserviente", explicou o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas. "Ele (presidente) ignora questões lógicas em relação à gestão pública e rechaça quem tenta fazer diferente. Pazuello fez praticamente tudo o que ele queria que fizesse. Até a desautorização pública em relação às vacinas ele matou no peito. Foi fiel ao seu chefe. Queiroga talvez saiba se esquivar melhor de cascas de banana."

De acordo com o especialista, uma mudança de postura por parte de Bolsonaro só ocorreria caso o presidente entendesse que pode ser severamente prejudicado nas próximas eleições. A coerência, no entanto, não é uma marca do governo federal, conforme assinalou.

Secretário executivo do Ministério Saúde no início da gestão Bolsonaro, o médico João Gabbardo lamentou o fato de Queiroga assumir a pasta sem rechaçar o uso de cloroquina ou defender um lockdown, medidas que contrariam a visão do presidente. "O recorde de óbitos hoje (ontem) será em alta escala. Sugestão: não se posicione contra o lockdown nacional", aconselhou, nas redes sociais, o atual coordenador do Centro de Contingência da covid-19 no governo de São Paulo.

O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), considerou a troca de Pazuello por Queiroga como "seis por meia dúzia" no ministério, mas acredita que a mudança teve a intenção de evitar desgastes para o governo com uma CPI da Covid no Senado. "Eles estavam muito alvoroçados com essa questão. Pazuello estava vulnerável. Agora, Queiroga será mais um capacho no Ministério da Saúde. Ele mesmo falou que vai continuar o trabalho de Pazuello", afirmou.

Apesar de ser técnico e ter reconhecimento profissional — é presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia —, Queiroga não desfrutará de mais liberdade do que o antecessor, na avaliação de Fleischer. "Ele é médico, mas já falou a favor da cloroquina. Um médico que defende isso não leva em conta a ciência."

Novo cargo

A demora do governo em dar posse a Queiroga é para ver se Bolsonaro consegue encontrar um lugar para abrigar Pazuello na estrutura de governo. Afinal, diz-se no Planalto que o presidente não está afastando o ministro por incompetência e, sim, por estratégia política, para ter na saúde um médico. Tanto é que Pazuello participou da conversa do chefe do Executivo com a cardiologista Ludhmila Hajjar, que recusou o cargo. A intenção é não deixar que um general da ativa fique com a pecha de defenestrado.

O problema, porém, é arrumar um cargo para Pazuello que esteja à altura. Não está descartada que ele assuma a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), vinculada à Presidência da República. Hoje, a pasta é ocupada pelo almirante Flávio Augusto Rocha, que ficaria somente com a Secretaria de Comunicação do governo, já ocupada interinamente por ele. Com a SAE, Pazuello garantirá foro especial no caso de processos que responde por omissões na pandemia do novo coronavírus, em especial, a falta de oxigênio em Manaus, que causou uma série de mortes.

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Na contramão, elogio à Ciência

Vicente Nunes

Israel Medeiros

17/03/2021

 

 

Em seu primeiro pronunciamento público, o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tentou mostrar certa diferença de pensamento em relação a seu antecessor, Eduardo Pazuello, demitido do cargo pelo presidente Jair Bolsonaro. Como médico, defendeu medidas que o Palácio do Planalto insiste em desmoralizar. "Conclamo a população que utilize máscaras. São medidas simples de bloqueio ao vírus, que lave as mãos, use o álcool", frisou. Ele também defendeu o trabalho da imprensa por levar informações confiáveis à população.

Queiroga não falou sobre lockdown, porém indicou que, se as providências necessárias não contiverem a disseminação do vírus, será preciso adotar ações mais duras, que podem ter impacto na economia. "Podemos, com essas medidas, evitar ter de parar a economia. É preciso unir os esforços de enfrentamento à pandemia com a preservação da atividade econômica, para garantir emprego, renda."

Ele disse, também, que "a ciência brasileira tem sido muito útil" para o enfrentamento de doenças, como a covid-19, e ressaltou a importância da união do governo federal com estados e municípios para vencer a crise sanitária. "Temos de unir esforços com os secretários estaduais de saúde. O Brasil tem mais de cinco mil municípios, então, são mais de cinco mil secretarias. O ministério está muito empenhado em trabalhar de maneira harmônica, em parceria, para melhorar a condição de assistência, para que os mais de 500 milhões de doses sejam aplicadas aos brasileiros, de tal sorte que consigamos conter a circulação do vírus e pôr fim à pandemia", frisou.

O médico destacou que, sozinho, não vai fazer "mágica" no comando do ministério e ressaltou a importância de reforçar a qualidade de assistência em unidades de terapia intensiva (UTIs). "Nós vivemos uma nova onda da pandemia, com muitos óbitos. É preciso melhorar a qualidade de assistência em cada um dos nossos hospitais, sobretudo nas UTIs, no enfrentamento às síndromes respiratórias agudas graves", pregou.

Ainda sem tomar posse oficialmente, o cardiologista se disse "muito entusiasmado para que possamos reforçar as medidas que já estão sendo colocadas em prática e trazer novas contribuições, sempre baseado no melhor da evidência científica".

Já Pazuello, que estava ao lado do sucessor, indicou a continuidade do trabalho que vem desempenhando. "Não é uma transição. Continua o governo Bolsonaro, continua o ministro da Saúde. Troca o nome de um oficial general, que estava aqui organizando a parte operacional, a gestão, a liderança, a administração e, agora, vai chegar um médico, com toda sua experiência em saúde, para ir além. Estamos somando, não dividindo", sustentou.

Ele destacou, ainda, que 5,6 milhões de doses de vacinas devem ser distribuídas pelo Brasil nesta semana. "Isso, para mim, é a coisa mais importante hoje. Receber o Marcelo, saber que estamos com toda essa parte inicial executada", frisou. "A gente mostra como funciona, e o Marcelo, com sua expertise, dá continuidade e vai melhorar ainda mais o trabalho do ministério, do governo e do nosso país", completou.

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"Doença maldita"

17/03/2021

 

 

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, solidarizou-se com os atingidos pela tragédia. "(Quero) levar uma palavra de alento para as famílias que perderam seus entes queridos vítimas dessa doença miserável e de outras que também afetam a população brasileira", afirmou. Ele lembrou que a pandemia é um desafio não só para as autoridades sanitárias no Brasil, mas para todos os 220 milhões de brasileiros. Na opinião do médico, o país conta com o Sistema Único de Saúde como uma "grande arma" para enfrentar a crise sanitária.