Título: Diplomacia reciclada
Autor: Gisele Teixeira
Fonte: Jornal do Brasil, 30/01/2005, País, p. A2

Em tempos de menos coquetéis e mais ações concretas, Instituto Rio Branco enfrenta críticas e corre para se modernizar Às vésperas de completar 60 anos, o Instituto Rio Branco, por onde já passaram Guimarães Rosa, Vinicius de Moraes e João Cabral de Mello Neto, viu-se em meio a uma polêmica que suscitou discussões apaixonadas. De assunto restrito a poucos conhecedores, a diplomacia ganhou as ruas e a mídia. Tudo porque o Itamaraty mudou o peso da prova de inglês para a admissão de novos profissionais na única escola brasileira de formação de diplomatas, com o objetivo de democratizar o acesso. Mas esta é apenas uma das mudanças que vêm ocorrendo nos últimos anos no perfil da instituição, e está longe de ser o único motivo de críticas.

A diplomacia requintada, envolta por uma áurea de glamour, já ficou para trás. A economia e o mercado exigem hoje menos coquetéis e mais resultados concretos de quem defende os interesses do Brasil no cenário internacional.

Com este horizonte, o Rio Branco corre contra o tempo para se modernizar, democratizar o acesso ao curso, adaptar o currículo e aumentar o quadro de pessoal.

- O Brasil tem de responder às mudanças do planeta e nós estamos fazendo isso - afirma o conselheiro Carlos Alberto Ribeiro Reis, da diretoria do Instituto Rio Branco.

O país está envolvido atualmente em pelo menos três grandes negociações: na Organização Mundial do Comércio (OMC), na construção da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e na implementação de um acordo entre a União Européia e o Mercosul. O governo reclama que tem apenas 997 diplomatas, contra 4 mil do México, por exemplo.

A meta da União é ter 1.400 profissionais na ativa até o fim de 2006. Não será fácil. Em geral, o Rio Branco seleciona 30 novos alunos por ano. A concorrência é grande - mais de cem candidatos por vaga - e a prova, difícil. Nem todos os postos são preenchidos. O último concurso foi em 2004.

A tentativa mais recente de democratizar o acesso - tirar da prova de inglês o caráter eliminatório - recebeu uma série de críticas. O Itamaraty alega que foi mal interpretado.

Passados alguns dias da polêmica, o diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (Ibri) e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Flávio Sombra Saraiva, afirma que a opção por uma visão global das qualidades do candidato coloca o Rio Branco numa linha mais moderna e menos elitista.

Especialistas dizem, no entanto, que um dos principais méritos do instituto é o processo de seleção.

- O perfil dos candidatos ao concurso mudou nos últimos 15 anos. Hoje é preciso estar graduado em curso superior para entrar no Rio Branco, que se transformou em mestrado - explica Ribeiro Reis.

A forma de ingresso também foi mudando com o passar do tempo. A pré-seleção, com provas em diversas cidades brasileiras, a exclusão do francês como teste eliminatório e a adoção de ações afirmativas são medidas adotadas nos últimos anos.

O fato de manter a exigência de concurso público tem a vantagem de ''blindar'' o Itamaraty contra o uso político dos cargos. Apenas embaixadores e o chanceler não precisam ser diplomatas de carreira.

O concurso, no entanto, não barra outros problemas, como o alto grau de reprovação na prova de português, considerado mais elevado que em inglês, e a grande deficiência do espanhol, língua dos demais países que integram o bloco regional.

- O ''portunhol'' não é uma alternativa para a nossa diplomacia - diz José Botafogo Gonçalves, ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires.

Para muitos críticos, é preciso aprofundar questões como segurança internacional e direito ambiental, entre outras. O Instituto Rio Branco também é acusado de ser muito resistente a influências externas.

- O Instituto é muito auto-referenciado - diz Saraiva, que também integra o quadro pedagógico do Rio Branco.

Ribeiro Reis se defende informando que em fevereiro, por exemplo, os diplomatas do Rio Branco embarcarão para a Amazônia, onde terão aulas práticas sobre biodiversidade, questões indígenas e proteção de fronteiras.