Título: Falta dinheiro para cumprir os objetivos
Autor: Karla Correia
Fonte: Jornal do Brasil, 31/01/2005, País, p. A3

BRASÍLIA - Uma das principais preocupações do governo sobre o projeto da transposição do São Francisco passa à margem da querela sobre a suficiência ou não da água do rio para irrigar as terras do Nordeste Setentrional. Se há fluxo insuficiente para o projeto, é de caixa, não de água. A verba para tocar a obra está garantida no Orçamento de 2005, cerca de R$ 1,07 bilhão. Há também a previsão de R$ 100 milhões para a revitalização, que deverá se estender por 20 anos. Mas para construir os açudes e canais adutores que levarão a água da transposição a quem realmente precisa, o governo vai ter que passar o chapéu.

O problema mais grave está em dois dos quatro estados que receberão água com a conclusão da obra, que beneficiará cerca de 15 milhões de habitantes. Enquanto Rio Grande do Norte tem uma capacidade adequada de armazenagem de água e uma boa rede de adutoras e o Ceará conta com quase um século de investimento na construção de açudes e canais, Pernambuco e Paraíba não têm uma rede eficaz de canais que sirvam para conduzir a água da transposição para quem tem necessidade.

Na avaliação do ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Jerson Kelman, ou se investe, ao mesmo tempo, na obra de integração de bacias, compreendendo a construção dos dois canais munidos de estações de bombeamento e mini-hidrelétricas, e na abertura de adutoras que capilarizem a distribuição da água, ou uma das estrelas do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva vai apenas perpetuar uma lógica perversa à qual o povo nordestino está acostumado: o dinheiro investido para suprir o Nordeste de água beneficiará poucos privilegiados, em detrimento de muitos em grave situação.

- No caso de insuficiência de recursos, recomendaria a prioridade à abertura de uma rede extensa de adutoras, para possibilitar que os benefícios esperados sejam imediatos à conclusão da obra - comenta Kelman.

O coordenador geral do projeto e chefe de gabinete do Ministério da Integração Nacional, Pedro Brito, admite que o governo não tem em caixa dinheiro suficiente para as duas obras. O governo dos estados beneficiados e o setor privado serão chamados a comparecer com recursos para a abertura de canais.

- A abertura de adutoras e construção de açudes poderá ser possibilitada por Parcerias Público-Privadas (PPP) ou pela captação de recursos junto a organismos internacionais, a exemplo do que já acontece com o Proágua - acredita Brito.

O programa citado pelo coordenador do projeto de transposição é voltado para o aproveitamento de recursos hídricos na região do semi-árido e recebe 71% de seus recursos do Banco Mundial e do Japan Bank for International Cooperation (JBIC).

- A ampliação da malha de adutoras é indispensável para que a transposição sirva a seus objetivos. Tanto que o governo pretende, sim, tocar as obras simultaneamente - diz Brito.

Segundo ele, o tempo de conclusão da obra de integração de bacias, dois anos a partir do fim das licitações, será suficiente para captar recursos para adutoras e eventuais açudes na região. Garantida a verba para as obras, surge um novo problema financeiro: o custo de manutenção do complexo, que vai incidir sobre os governos dos estados beneficiários.

O projeto de transposição se traduz na construção de dois canais próximos à Barragem de Sobradinho para conduzir água ao Nordeste Setentrional. O ramal norte terá 402km de extensão e levará a água do Velho Chico para a Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. O canal leste terá 220km e abastecerá Pernambuco e parte da Paraíba.

Para a região abastecida pelo ramal leste, o custo da água será de R$ 0,11 a R$ 0,12 por m³. Representa um custo adicional de R$ 80 milhões/ano para as regiões beneficiadas, só com a manutenção. Apesar de mais extenso, o canal norte demandará quase a metade do desembolso anual, pois precisará de menos estações bombeadoras por conta do menor desnível de terreno do curso, e contará com duas pequenas hidrelétricas em suas áreas de queda.

Na avaliação do governo, a chegada da água do Velho Chico anulará, na prática, o custo da perda de quase 80% da água armazenada nessas regiões, provocada por fatores como evaporação e vazão de excedente para o mar.

- Com isso, as contas ficam equilibradas - defende Pedro Brito.