O Globo, n. 31982, 28/02/2021. Sociedade, p.10

 

 

Como se atualiza uma vacina contra Covid-19?

 

Especialistas dimensionam o desafio que os cientistas e fabricantes enfrentam diante do surgimento de novas cepas do coronavírus

 

RAFAEL GARCIA

rafael.garcia@sp.oglobo.com.br

 

Com a emergência de mais variantes do novo coronavírus, cientistas estão preocupados em saber o quanto elas serão capazes de escapar da proteção gerada pelas vacinas contra a Covid-19.

Para entender como pesquisadores e indústria estão se preparando para o caso disso acontecer, a reportagem conversou com dois imunologistas às voltas com um dos maiores desafios para se conter a pandemia: o brasileiro Ricardo Gazinelli, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a americana Laura Walker, da empresa de biotecnologia Adimab. Eles ofereceram respostas para seis perguntas centrais sobre a reinvenção da vacina.

1 Por que novas variantes são capazes de burlar a imunidade criada pelas vacinas?

Vacinas são como partículas “fantasiadas” de vírus que ensinam o sistema imune a reconhecer o patógeno e o estimula a atacá-lo. Quando surge uma nova variante do vírus, pode ser que suas diferenças comprometam esse reconhecimento. A principal característica do Sars-CoV-2, vírus da Covid-19, imitada pelas vacinas, é a proteína spike (espícula), na superfície do vírus. Ela é o antígeno, molécula que estimula o sistema imune a reagir, enviando anticorpos para atacá-la.

2 Como está sendo monitorada a resposta das vacinas a essas variantes?

Pesquisas in vitro já estão simulando a imunogenicidade (capacidade que uma vacina tem de gerar uma resposta imune) a diferentes cepas do vírus em laboratório. Além disso, as pessoas que receberam imunizantes são monitoradas —Vi mosque mais da meta dedos anticorpos não reconheceua proteína espícula das variantes que emergiram na África do Sule no Brasil—diz Laura Walker, que estuda como a imunidade gerada pela versão original do Sars-CoV-2 se sai contra as novas cepas. Estudos que acompanham os vacinados ainda são poucos e não possuem repostas definitivas.

3 Se a vacina não responder ao vírus ‘novo’, o que pode ser feito?

Seria necessário mudar o antígeno da vacina. Para isso, uma mesma “plataforma” (a estrutura básica de produção da vacina) pode ser mantida, e são trocadas as amostras de vírus nas quais ela se baseia. “A tecnologia da plataforma pode ser adaptada conforme necessário”, informou em comunicado a AstraZeneca, cuja vacina desenvolvida com a Universidade de Oxford e em uso no Brasil, se mostrou menos eficaz contra a variante sul-africana. “Isso é testado em estudos pré-clínicos e, em seguida, em pequenos ensaios de imunogenicidade antes de ser submetido à revisão regulatória.”

4 Quais vacinas podem ser corrigidas mais facilmente para capturar as variantes?

As que usam como antígeno apenas oRNA, material genético do vírus. É oca sodo imunizante da P fizer. A empresa já cogita, inclusive, criar formulação para uma terceira dose.

—Vamos avaliara aplicação demais um‘booster’ n oregime atual dava cina enosp reparar para uma adaptação rápida da vacina contra novas variantes — afirmou Ugur Sahin, presidente da BioNTech, a parceira alemã da P fizer no desenvolvimento da vacina. Vacinas como a CoronaVac, porém, usam um vírus inteiro inativado (morto) como antígeno. Nesse caso seria preciso produzir o ingrediente ativo da vacina com amostras das novas variantes do Sars-CoV. Processo queé feito anualmentepara as vacinas de gripe. Já para a vacina Oxford/ AstraZeneca, o processo de adaptação pode ser mais complicado. Esse imunizante é feito a partir de um adenovírus, um outro gênero de patógeno, queémodif ica dopara carregara proteína espícula do coronavírus. Seria preciso recria ressa criatura híbrida.

5 É possível uma vacina só combater várias variantes, incluindo as que venham a surgir?

A princípio, sim. Para obter essa proteção mais robusta, é preciso escolher como antígeno uma proteína do vírus que esteja associada a um trecho do genoma do Sars-CoV-2 pouco propenso a sofrer mutações. Uma vacina experimental no laboratório de Gazzinelli na UFMG teve bom resultado usando essa estratégia em cobaias.

— Estamos trabalhando em uma vacina que inclui parte da proteína n, do núcleo capsídeo do vírus, a mais abundante dele — explica o cientista. Outras vacinas que buscam o mesmo objetivo ainda estão em fase pré-clínica de pesquisa.

6 Quando se deve tomar a decisão sobre trocar ou não a vacina em uso?

A decisão de mudar a fórmula de uma vacina e atrasar a produção de um imunizante precisa ser tomada com cautela.

Talvez as novas variantes atrapalhem a eficácia geral das vacinas contra reinfecção, mas o imunizante continua protegendo contra a forma grave da doença. Nesses casos, o transtorno de trocar o antígeno pode não valer a pena.

— Acredito que a maioria das vacinas ainda vai continuar nos protegendo contra a doença severa — diz Walker, da Adimab.

 

Em seu último estudo, ela analisou as células B, importantes para a memória do sistema imune, para ver como elas reagiam à introdução da variante de Manaus após terem memorizado a versão clássica do vírus. Cerca de 30% das células reconheceram o novo subtipo do patógeno, o que talvez seja suficiente. —Mas a mensagem mais importante, agora, é que as pessoas precisam se vacinar — diz a cientista, pois não há dados mostrando que a versão clássica do coronavírus deixou de ser predominante entre as infecções .