O Globo, n.31987 , 05/03/2021. Sociedade p.11
Pressão por vacina
Paula Ferreira
Daniel Gullino
Aguirre Talento
Rafael Garcia
Gustavo Schmitt
05/03/2021
Cresce cobrança por doses, mas ritmo segue lento
Em carta à Presidência da República ,14 governadores declaram-se “no limite de suas forças e possibilidades” de conter o vírus e pedem providências imediatas para compra de vacinas. A Confederação Nacional de Municípios(CNM) reforçou a urgência da imunização em massa, e procuradores do Ministério Público Federal enviaram recomendação ao ministro Pazuello (Saúde) de medidas para conter a Covid. A pasta anunciou 38 milhões de doses para este mês, 7,9 milhões a menos do que previa há 15 dias. Para especialistas, a quantidade é insuficiente e incerta: inclui oito milhões de doses da indiana Covaxin, que nem sequer está em análise na Anvisa.
Diante de números crescentes da pandemia no país, governadores se disseram “no limite de suas forças e possibilidade” de conter o vírus e voltaram a pressionar o governo federal por mais vacinas.
Dirigentes de 14 estados encaminharam ontem ao presidente Jair Bolsonaro uma carta em que pedem “imediata adoção de providências” para compra de vacinas contra a Covid-19 junto a outros países e entidades internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), citando ainda como uma das preocupações a circulação da nova variante.
No texto, os chefes dos executivos estaduais afirmam também que as medidas que tomaram para tentar conter o avanço da doença estão próximas do“exaurimento” eque a pandemia “seguirá ceifando vidas, ameaçando, desafiando e entristecendo todos nós”. Nesse sentido, concluem, “a vacinação em massa, coma maior brevidade possível, éa alternativa ques e afigura como amais recomendável ”.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) também reforçou, em nota publicada ontem, a urgência da vacinação em massa e afirmou que, caso persista a indefinição sobre a compra de vacinas pelo governo federal, estados e municípios assumam a frente da negociação. No texto, o movimento lamenta a lentidão da vacinação.
Em outra frente, um grupo de 44 procuradores do Ministério Público Federal, de 24 Estados da Federação e mais o Distrito Federal, enviou uma recomendação ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sugerindo medidas urgentes e concretas para conter a Covid-19. Dentre elas estão a adoção de critérios para implantar isolamento social nos estados e fechamento de fronteiras. Apesar de não ter assinado o documento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, encaminhou a recomendação a Pazuello.
DOSES APENAS PARA 9%
Como resposta à crescente pressão, o Ministério da Saúde encaminhou ontem ao Senado uma atualização do cronograma de entrega de vacinas para março. A pasta anunciou 38 milhões de doses para este mês, 7,9 milhões de doses amenos doque constava da previsão divulgada em 17 de fevereiro. Segundo o governo, a redução se deu por causa de atrasos nas doses da vacina da Oxford/AstraZeneca.
A quantidade pode ser ainda menor, já que o ministério leva em conta 8 milhões de imunizantes da indiana Covaxin, fornecidas pelo laboratório Bharat Biotech, que ainda não entrou nem mesmo com pedido de autorização na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além da Covaxin e da vacina de Oxford, o governo promete doses da CoronaVac e do lote da Covax Facility.
No entanto, ainda que os 38 milhões de doses cheguem ao país, especialistas consultados pelo GLOBO afirmaram que isso ainda não deve se refletir na dinâmica da pandemia nos próximos meses.
A quantidade prometida para março é suficiente para vacinar 9% da população ( já há mais de 1% vacinado com duas doses). Mas o percentual necessário para um grau razoável de imunidade coletiva deve ser muito maior.
— Antes de chegarmos a 70% ou 80% de cobertura, não dá para discutir sobre nenhum impacto — afirma José Cássio de Moraes, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa e especialista em programas de vacinação.
—Além disso, agente não tem certeza ainda que todas essas vacinas atuem bem contra a transmissão das doenças. Elas são eficazes em evitar casos graves e óbitos.
Mesmo para contabilizar o benefício da vacina nas populações vacinadas, seria preciso esperar, no mínimo, 45 dias, explica. No caso da CoronaVac, os vacinados tomam as doses com intervalo de 28 dias e precisam esperar mais 14 para a vacina ter o efeito protetor previsto. Coma Astra Zen eca, são 12 semanas de intervalo, mais duas para vir o efeito.
Além disso,épre ciso distribuirvacinas concretamente às pessoas. O Brasil tem capacidade para vacinar dois milhões de pessoas por dia, mas, coma falta de imunizantes, está em um ritmo muito lento— levou um mês emeio para aplicar 10 milhões de doses.
O período de espera necessário para ampliara cobertura vacinal, dizem especialistas, é muito maior do que o poder público pode esperar para tomar medidas efetivas de contenção da pandemia, pois os casos graves de Covid-19 crescem aceleradamente agora.
Além disso, outro entraveéa alta disputa por doses no mercado internacional, o que traz mais incerteza para que as empresas cumpram promessas feitas. Enquanto isso, a lentidão nas negociações do Ministério da Saúde para compra de vacinas emperra a aquisição de 161 milhões de doses. A pasta está em tratativas, mas ainda sem fechar contrato, com os laboratórios: União Química, Pfizer, Janssen e Moderna.
‘MIMIMI’
Depois de dois dias seguidos de recordes nas mortes pela Covid-19 no país, Bolsonaro afirmou ontem que é preciso parar de “frescura” e “mimimi” com a pandemia e questionou até quando as pessoas ficarão “chorando”. Para o presidente, é preciso “enfrentar nossos problemas”. A Covid-19 já matou mais de 260 mil brasileiros.
A declaração ocorreu na inauguração de um trecho da ferrovia Norte-Sul, em São Simão (GO), onde o presidente elogiou produtores rurais por terem continuado trabalhando na pandemia e questionou em seguida “onde vai parar o Brasil se nós pararmos”, em referência a medidas tomadas por governadores e prefeitos em todo o país para diminuir a circulação de pessoas e frear o avanço da Covid-19.
—Vocês (produtores rurais) não ficaram em casa, não se acovardaram. Nós temos que enfrentar nossos problemas. Chega de frescura, de “mimimi”. Vão ficar chorando até quando? Temos que enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades. Mas onde vai parar o Brasil se só pararmos? — questionou Bolsonaro.