O Globo, n. 31984, 02/03/2021. País, p.5

 

Escaldado, Lira fala em 'debate amplo' por lei eleitoral

 

 

Após tentativa frustrada de aprovar de forma relâmpago a PEC da Imunidade, presidente da Câmara se reuniu com o presidente do TSE em busca de diálogo; Corte é um dos alvos dos deputados na discussão de novas regras para as eleições

 

BRUNO GÓES

bruno.goes@oglobo.com.br

 

Após o desgaste provocado pela tentativa frustrada de aprovar de forma relâmpago a PEC da Imunidade, destinada a blindar parlamentares, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu início de forma diferente à tramitação de outra agenda que pode provocar conflitos com o Judiciário: a reforma eleitoral. Acompanhado da relatora do grupo de trabalho sobre o tema, Margarete Coelho (PP-PI), Lira se reuniu com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, e afirmou que haverá um “debate amplo” sobre o tema.

Um dos principais objetivos do grupo é a criação de um “Código de Processo Eleitoral” para impedir que o TSE baixe regras sem a previsão do Congresso. Para parlamentares, o tribunal acaba “legislando” quando impõe, por exemplo, normas sobre cotas de gênero, racial e sobre divisão de recursos do fundo eleitoral. Também foi direcionado a este colegiado o debate sobre uma flexibilização na Lei da Ficha Limpa que diminuiria o número de políticos barrados, um dos temas que geraram polêmica no debate da PEC da Imunidade.

Na semana passada, deputados tiveram a primeira reunião do grupo, ocasião em que discutiram o plano de trabalho. Serão três meses para formalizar um projeto.

— Viemos tratar justamente desse grupo. Houve discussão (sobre o tema) e a conversa foi muito boa. Há vários grupos da sociedade dando sugestões. Vamos ouvir o grupo do ministro (do STF e do TSE) Edson Fachin, OAB, Academia Brasileira de Direito Eleitoral e muitos outros. O debate vai ser amplo. Mas se dará no grupo de trabalho — afirmou Lira ao GLOBO.

Na semana passada, Margarete Coelho listou os assuntos que serão debatidos, como propaganda eleitoral, regras para o dia da eleição, pesquisas eleitorais, condutas vedadas aos agentes públicos, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, financiamento eleitoral, além de sistema eleitoral de votação e as competências da Justiça Eleitoral.

Há a expectativa entre deputados do grupo que também seja discutido o chamado “distritão”. Nesse modelo diferente de sistema, estados e municípios são divididos em distritos eleitorais. Para a escolha de deputados federais, estaduais, distritais e vereadores, os mais votados de cada região serão eleitos. Não é levado em conta os votos para partidos. A eleição deixaria de ser proporcional e se tornaria majoritária.

Em outra frente, líderes chegaram a sugerir em reunião, na semana passada, a votação em plenário da constitucionalidade de outra Proposta de Emenda à Constituição que propõe a coincidência de todas as eleições. No último modelo proposto, o mandato de senadores aumentaria de oito para dez anos e os demais cargos, de quatro para cinco anos. A proposta faria restrições à reeleição. O retorno ao voto impresso, defendido por deputados ligados ao presidente Jair Bolsonaro, também precisaria ser instituída por PEC e não está na pauta do grupo de trabalho.

Depois da reunião de ontem, Barroso disse que vai colaborar com a nova legislação eleitoral.

— As decisões políticas do país são tomadas no Congresso Nacional. E, portanto, nós estabelecemos uma relação construtiva com o presidente da Câmara sobre as questões importantes que vão tramitar sobre sistematização da legislação eleitoral e debates importantes sobre o sistema eleitoral e sobre o aperfeiçoamento da democracia — disse o presidente do TSE.

 

PRAZO ATÉ 1º DE OUTUBRO

O grupo de trabalho criado pela Câmara deverá realizar 27 audiências públicas e terá ainda seminários em São Paulo, Rio, Pará e Piauí. Mas Margarete Coelho disse que o ritmo deve ser acelerado.

—As matérias a serem analisadas já se encontram extremamente maduras pelo debate constante que vem sendo feito na sociedade e nas instituições. O próprio TSE já constituiu um grupo de sistematização dessas normas—disse a deputada.

Serão debatidas no grupo ainda as formas de ação de impugnação de mandato eletivo, recursos judiciais eleitorais, crimes eleitorais, convenções e coligações, entre outros assuntos. Para valerem nas próximas eleições, as mudanças precisam ser aprovadas até 1º de outubro deste ano.