O Globo, n. 31984, 02/03/2021. País, p.6

 

Do WhatsApp ao plenário, bastidores da derrota de uma PEC

 

Por uma semana, Artur Lira tentou produzir consenso até entre PT e bolsonaristas para acelerar emenda da Imunidade

 

MARIANA CARNEIRO

mari.carneiro@oglobo.com.br

 

‘Vou suspender (a sessão) por cinco minutos para poder descer aí ao plenário”, anunciou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), no final da tarde da sexta-feira, dia 26. Sem acordo entre os partidos para aprovar a emenda constitucional conhecida como PEC da Imunidade —logo apelidada de PEC da Impunidade —, ele foi pessoalmente tentar conseguir um consenso. Depois de 20 minutos confabulando com uma dúzia de deputados no plenário vazio, Lira voltou ao microfone e decretou o fim da sessão, sem conseguir votar a proposta.

Foi a primeira grande derrota do presidente da Câmara desde sua eleição, há um mês. Encerrava-se, ali, um esforço intenso de uma semana em articulações de bastidores, reuniões e jantares, detalhado ontem no blog da colunista Malu Gaspar, no site do GLOBO.

Tudo começou num encontro na casa de Lira, no dia18. A votação que selaria o destino do deputado Daniel Silveira seria no dia seguinte. Líderes partidários avaliaram que não haveria como soltálo, depois da decisão unânime do Supremo. Em contrapartida, combinaram de fazer uma emenda ao artigo 53 da Constituição, que trata da imunidade parlamentar.

Na sexta-feira, dia 19, às 12h54m, Celina Leão (PPDF), da tropa de choque de Lira, criou um grupo de WhatsApp batizado de Prerrogativas, e adicionou dez deputados indicados por partidos próximos ao presidente da Câmara.

Margarete Coelho (PP-PI) ficou com a missão de elaborar um texto e apresentar a Lira. Na segunda-feira, por volta de 13h, a primeira versão do texto foi postada no grupo. Celina Leão então avisou aos colegas que se preparassem: a previsão era votar o texto já na quarta-feira, dia 24.

O cronograma acelerado desencadeou uma sequência de críticas. Margarete deixou claro o porquê da correria: quanto mais demorassem, mais resistência se criaria contra a emenda.

“Teremos sempre um fato a ser relacionado. E talvez mais tempo só aumente as resistências e incompreensões. Ontem prenderam a Flordelis, caso difícil de ser usado como exemplo, como tb o era o do Daniel”, escreveu.

Arthur Lira precisava agir rápido. Na terça-feira à noite, partiu para tentar convencer os deputados a votá-lo no dia seguinte, sem que tivesse havido um só debate no plenário. Foi uma maratona de reuniões e jantares que terminou na casa do advogado Antônio Carlos de Castro, o Kakay, criminalista que já defendeu o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), e que é ativo no combate à Lava Jato. Naquela noite, ele recebeu em casa os deputados Orlando Silva (PCdoB), Paulo Teixeira (PT), Marcelo Freixo (PSOL), Lafayette Andrada (Republicanos) e a própria Margarete Coelho.

À meia-noite, Lira chegou para pedir apoio à votação da PEC já no dia seguinte, mas encontrou mais resistência do que imaginava.Ele saiu da casa de Kakay às 3h sem garantia do apoio do PT, nem do PC do B e nem do PSOL.

Na quarta-feira (24), as reuniões seguiram, na casa de Lira e também em seu gabinete na Câmara, com entra e sai de parlamentares de todos os partidos. E quanto mais o tempo passava, maior e mais negativa era a repercussão da PEC. Além das críticas da imprensa e de juristas, mensagens de protesto inundaram as redes sociais dos deputados.

Lira não queria desistir. Entre quarta e quinta-feira, intensificou as mensagens pelo WhastApp e as ligações, algumas em tom mais agressivo, cobrando o compromisso que, segundo ele, tinha sido assumido pelos líderes da maioria dos partidos. Um deputado que pediu para não ser identificado afirmou acreditar ter perdido a relatoria de um projeto de lei por ter atuado contra a PEC. Apesar de toda a pressão, a quinta-feira terminou sem os 308 votos necessários.

Na sexta-feira, Lira centrou fogo no PT. Seus 52 votos eram imprescindíveis para a aprovação da PEC, mas os petistas só concordavam em votar um texto que admitisse a possibilidade de punição e prisão de parlamentares que atentassem contra a democracia, as instituições e os direitos humanos, o que inviabilizaria o bote de salvação lançado a Silveira. Foi esse o impasse que fez Lira descer ao plenário para negociar com os deputados. O PT havia redigido uma proposta de texto que era exibida na tela do celular de Paulo Teixeira e circulava de mão em mão, enquanto Lira tentava um consenso. Os bolsonaristas, porém, vetaram a expressão “direitos humanos”.

Os petistas tentaram uma alternativa, prevendo punição só a atentados à democracia e às instituições, mas nem o PSL nem o Novo aceitaram. Já eram quase 18h de sexta-feira quando Lira jogou a toalha. Jantares, reuniões e falta de consenso frearam tramitação a jato da proposta