O Globo, n.31987 , 05/03/2021. Economia p.17

 

Para cumprir proposta

Fernanda Trisotto

Geralda Doca

Paulo Cappelli

Manoel Ventura

05/03/2021

 

 

 Recorte capturado

Governo pode ter que acabar com deduções do IR e incentivo ao MEI

A proposta de emenda à Constituição (PEC) aprovada ontem pelo Senado para liberar os gastos com o auxílio emergencial prevê uma medida que, se for levada à frente, pode reduzir ou até acabar com incentivos tributários, como as deduções com despesas de saúde e educação no Imposto de Renda (IR) e o regime especial para microempreendedores individuais (MEI). De acordo com o texto, que ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro precisará propor ao Congresso um plano para reduzir as renúncias fiscais, mas benefícios como o da Zona Franca de Manaus e do Simples Nacional não podem ser alvo dos cortes — medida adotada para reduzir a resistência política ao projeto. Os incentivos blindados representam mais da metade do total, o que vai obrigar o Executivo a avançar sobre outros programas também sensíveis.

O texto estabelece que Bolsonaro tem que enviar em até seis meses um projeto de lei que indique uma redução gradual de benefícios tributários para que o peso desses incentivos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) diminua para 2% em até oito anos. Hoje, esse percentual é de cerca de 4%. Segundo técnicos, não há na PEC nenhuma sanção caso o presidente não siga a determinação, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) pode ser provocado a agir se a Constituição não for cumprida.

Ao todo, seis incentivos foram blindados. Só em 2021, esses programas custarão aos cofres públicos R$ 158,3 bilhões, o que equivale a 51,4% do total. Com isso, o projeto para reduzir as renúncias terá que se concentrar na outra metade da lista. Só as deduções de gastos com saúde e educação no IR custarão neste ano R$ 22 bilhões. Também sem proteção, os benefícios do MEI — que se tornou uma porta de saída para desempregados na crise — têm custo estimado de R$ 3,1 bilhões. A proposta também esbarraria em uma promessa de campanha de Bolsonaro. O presidente disse que corrigiria a tabela do IR, isentando todos os brasileiros que ganhassem até R$ 5 mil. Até o momento, não houve revisão.

POLITICAMENTE INVIÁVEL

Para o diretor da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco, o plano de redução previsto na PEC é praticamente impossível. Para fazer valera norma, o Executivo teria que fazer um corte drástico ou acabar totalmente com os incentivos que sobraram, oque seri apoliticamente inviável:

— O papel aceita tudo. Só não está havendo gritaria porque o governo não disse onde vai cortar. Quando isso acontecer, a pressão dos setores beneficiados será enorme.

O pesquisador associado do Insper Marcos Mendes alerta que a discussão deveria ocorrer em uma reforma do sistema de impostos, já que programas como o Simples e a Zona Franca de Manaus representam renúncias entranhadas no sistema tributário nacional e que, por mais distorções que apresentem, não podem ser apenas extintos:

— Esse conjunto, que é a maior parte dos benefícios tributários, não tem como resolver isoladamente.

Já Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, afirma que o Senado passou um recado de que está disposto a debater o restante dos benefícios, ao blindar alguns programas e outros não:

—Pelo menos 62 senadores estão dispostos a discutir todas as outras isenções. Se não, eles teriam colocado essas outras isenções na PEC. O Congresso está delimitando o espaço do “aqui não vamos mexer, mas o resto estamos dispostos” e isso passa a ser uma discussão em paralelo, no âmbito da reforma tributária, que nós vamos ter que enfrentar.

A votação da chamada PEC Emergencial no Senado foi concluída ontem. A proposta foi aprovada em segundo turno por 62 votos a 14. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já sinalizou que pretende concluir a análise do texto ainda semana que vem. A aprovação nesse prazo é importante para garantir o cronograma estabelecido pelo governo de começar a pagar o auxílio emergencial a beneficiários do Bolsa Família no dia 18 de março.

Ao lado do relator da proposta, Márcio Bittar (MDBAC), o ministro da Economia, Paulo Guedes, agradeceu a aprovação da proposta:

— O Congresso votou massivamente a nosso favor. Eu quero agradecer muito ao Congresso por esses 62 votos. Quero agradecer a condução do presidente Pacheco e, por antecipação, ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que, num determinado momento, com muita serenidade e lucidez disse “vamos manter o teto”. Nós precisamos de saúde, emprego e renda.

A PEC permite que as despesas com o auxílio não fiquem sujeitas a regras fiscais, desde que o valor total gasto com o programa não ultrapasse R$ 44 bilhões. Ao mesmo tempo, cria regras para controle de contas públicas. Permaneceram no texto gatilhos que impedem elevação de gastos, como aumentos de salários e concursos públicos, quando as despesas de estados e municípios ultrapassarem 95% das receitas. No caso da União, o acionamento das medidas ocorre quando os gastos obrigatórios superarem 95% do total das despesas.

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Texto abre brecha para carimbar verba para militares

Fernanda Trisotto

05/03/2021

 

 

Medida permite que receitas sejam vinculadas a despesas voltadas à defesa nacional. Projeto também flexibiliza regra para fundos

Aprovada ontem pelo Senado, a proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial abre uma brecha para que receitas sejam vinculadas a despesas voltadas à defesa nacional, o que representa uma exceção. Na prática, a regra permite que esses gastos sejam carimbados, o que vai em direção contrária à defesa da equipe econômica de reduzir amarras no Orçamento.

O dispositivo foi incluído pelo relator da PEC, senador Márcio Bittar (MDB-AC), na última versão do seu relatório, apresentada na quartafeira. O parlamentar também abriu espaço para que uma série de fundos federais fiquem de fora da proibição constitucional de vincular receitas a órgãos, fundos ou despesas.

Segundo o parlamentar, foram recebidos diversos pedidos para ampliação da relação das exceções à desvinculação. “Consideramos a maior parte não merecedora dessa salvaguarda, mas acolhemos os pleitos relacionados à defesa nacional e à segurança, áreas fundamentais de atuação do Estado e que devem poder contar com um fluxo estável de recursos”, escreveu Bittar em seu relatório.

REGULAMENTAÇÃO

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, explicou que essa ressalva foi incluída no texto da complementação de voto e alerta que a regra ainda precisa ser regulamentada.

— A meu ver é uma forma de dizer que esses recursos poderão ser vinculados. Deixa uma porta aberta também para blindagem desse tipo de despesa com Forças Armadas e defesa nacional. Precisa ver como isso seria regulamentado para saber melhor as consequências — disse Salto ao GLOBO.

A PEC também inclui nas ressalvas à vedação de vinculação seis fundos que poderão manter as receitas orçamentárias já reservadas. São eles: Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), Fundo Nacional Antidrogas (Funad), Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) e Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal.

O texto mantém a proibição da vinculação de receitas para serviços da administração tributária. Essa mudança pode gerar impactos sobre a autonomia da Receita Federal.