O Globo, n.31988 , 06/03/2021. País p.6

 

Acusado de assédio na Alesp recebe pena Branda

Guilherme Caetano

06/03/2021

 

 

Conselho de Ética da Casa reduz de seis meses para 119 dias suspensão a Fernando Cury (Cidadania); com manobra, que depende do aval de maioria no plenário, parlamentar mantém gabinete com 16 funcionários

 

O Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou ontem, por cinco votos a quatro, a suspensão por 119 dias do mandato do deputado Fernando Cury (Cidadania), acusado de assediar sexualmente a colega Isa Penna (PSOL) durante uma sessão da Casa. A punição é mais leve do que o previsto pelo relator do caso, Emídio de Souza (PT), que pediu seis meses de afastamento. A manobra que levou Cury a receber uma pena mais branda gerou críticas na Alesp.

A decisão ainda precisa ser aprovada no plenário por maioria simples. Deputados que defendiam uma punição mais rigorosa a Cury esperam que a votação entre em pauta antes do dia 15, quando ocorre a eleição para a Mesa Diretora, o que pode atrasar o processo — ao contrário das outras assembleias do país, o Legislativo paulista troca de presidência em março.

Caso a punição seja aprovada, Cury ficaria sem receber salário no período, mas seu gabinete com 16 funcionários continuará funcionando normalmente. Esse foi um dos motivos apontados por parlamentares para que uma ala do Conselho de Ética fizesse a proposta de abrandar a punição. Se o afastamento fosse maior que 120 dias, o suplente de Cury seria convocado e poderia montar seu gabinete.

—Não é à toa que está proposto 119 dias. Se buscou fazer uma punição de 119 dias para que o prazo não seja atingido e nada se mexa. O povo de São Paulo espera grandeza maior de sua Assembleia —disse Emídio. O deputado petista havia apresentado seu relatório na quarta-feira. Segundo ele, “ao abraçar pelas costas a deputada Isa Penna e lhe tocar os seios sem seu consentimento”, Cury teve um comportamento “inadequado que atentou contra a ética e o decoro parlamentar”. Antes que o documento fosse votado pela Comissão de Ética, o deputado Wellington Moura (Republicanos) pediu vista (mais tempo para analisá-lo).

ACORDO DESCUMPRIDO

Ontem, Emídio afirmou que pretendia pedir a cassação de Cury em seu relatório, mas que propôs a punição de seis meses porque achou que havia acordo no colegiado para aprová-la. Moura iniciou a reunião de ontem lendo seu voto alternativo, com a punição de 119 dias. Foi seguido por Delegado Olim (Progressistas), Adalberto Freitas (PSL), Alex de Madureira (PSD) e o corregedor da Casa, Estevam Galvão (DEM).

— O deputado Fernando Cury que eu conheço é pai, é de família, é marido de uma só mulher, é uma pessoa que ama a sua esposa. É um cara que é até carinhoso. Foi excessivo e errou com a deputada Isa Penna. Mas merece uma segunda chance, como todos nós —disse Moura. A votação foi tumultuada. Os parlamentares que concordaram com o abrandamento da pena deixaram a sessão virtual logo após o resultado ser proclamado, derrubando o quórum, o que impediu que os deputados que foram vencidos pudessem se manifestar na sessão. Maria Lúcia Amary (PSDB) classificou a atitude como “desrespeito”. Barros Munhoz (PSB) chamou o desfecho do caso de “cômico”. Erica Malunguinho (PSOL) afirmou que transformaram a punição numa “licença”. Munhoz e Emídio renunciaram ao colegiado. A defesa de Cury informou que recebeu a decisão de forma “respeitosa” e que espera votação no plenário.

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Entrevista - Isa Penna: "Um tapa na cara de todas as mulheres"

06/03/2021

 

 

 ISA PENNA - DEPUTADA ESTADUAL(PSOL-SP)

Vítima do assédio na Alesp, a deputada Isa Penna (PSOL), avalia que a decisão do Conselho de Etica de abrandar a punição de Fernando Cury (Cidada- nia) é um “tapa na cara de todas as mulheres”. Agora, ela espera contar com o apoio de todas as parlamen- tares da Casa, inclusive das que são de espectro político oposto ao seu, para que a punição seja confirmada em plenário.

Como você recebeu a decisão do Conselho de Ética?

Isa Penna: Eu achei um tapa na cara de todas as mulheres. Na verdade é uma não punição. Passa uma mensagem de legalização do assédio, porque é um precedente político e jurídico. A Comissão de Ética é prevista na Constituição Federal, entao é um órgão que tem uma prerrogativa justamente para os deputados não fazerem tudo o que quiserem. Hoje a gente viu como os políticos tratam a nossa Constituição.

O resultado te surpreendeu?

Não. A informação que eu tinha era de que o Estevam (Galvão, corregedor da Alesp), que já tinha se comprometido a votar com o relator (Emídio de Souza, que sugeriu a suspensão de seis meses a Cury), poderia estar sendo pressionado. Isso chegou (a mim) por meio de deputadas mulheres de vários espectros ideológicos.

E o que você acha que levou a essa formação de maioria a favor de Cury, inclusive com o voto do corregedor?

Eu sei que tem muita pressão acontecendo. Coisas obscuras envolvidas, que eu nem quero saber o que são.

Você queria a cassação de Cury, mas disse que não iria "se desencontrar com a realidade" e se conformou com a suspensão, contanto que fosse de um ano. A "realidade" foi uma suspensão de 119 dias. Foi um erro se conformar com uma punição mais branda? Acha que deveria ter brigado pela cassação até o fim?

Quando a gente vai traçar uma estratégia política, tem que considerar um negócio chamado correlação de forças. A luta pela cassação não acabou. A luta (no conselho) foi para que a punição não fosse menor. A briga no plenário é outra. Estamos falando de Janaina Paschoal, que já se comprometeu com a defesa da pauta, da Leticia Aguiar, da Damaris Moura, da Delegada Graciela, todas comprometidas com a luta das mulheres. Nossa estratégia era tirar o caso do Conselho de Ética. Não podia morrer no Conselho de Ética, onde a correlação de forças era muito desfavorável. De forma alguma há concordância da minha parte (com a punição aprovada), até porque eu não fui consultada por nenhum dos votos. Os conselheiros falam entre si. Minha ingerência sobre o caso foi zero até agora. Agora vou para o plenário com sangue nos olhos, e ninguém vai me silenciar.

O que esse resultado diz, na sua opinião, para outras mulheres, deputadas ou não, que se sentirem assediadas em seus espaços?

Acho que os assediadores vão se sentir empoderados e boa parte das mulheres vai se sentir indignada. Estamos provocando repercussões e discussões em ambiente de trabalho, em casa, na sociedade. (Esse debate) vai servir como um acúmulo de forças até chegar no plenario, onte tem 94 deputados. Precisaria de uma mairia simples. Nosso raciocínio é que o governo (João Doria) vai fazer de tudo pra proteger o votinho (Fernando Cury) que ele precisa para os seus projetos. A gente, portanto, vai brigar para extraior o máximo possível da Alesp. Mas o que nós já conquistamos até aqui é inédito. É a primeira vez que um deputado é julgado e punido por assédio sexual. A gente chegou até esse ponto. Só que no Conselho de Ética está a escória da Assembleia Legislativa, o que há de mais velho na política.

O deputado Adalberto Freitas te acusou de ameaçá-lo durante a audiência, pelo bate-papo da transmissão. O que você disse a ele?

Eu falei: "deputado, que nojenta a postura de vocês. Não vou me esquecer de nenhum de vocês. Isso diz muito sobre vocês, como deputados e também como pessoas. Vou procurar saber o que está por trás dessa proteção toda, e caso vocês tenham assediado qualquer mulher na vida de de vocês, eu vou descobrir".

A defesa de Fernando Cury nega que ele tenha apalpado o seu seio, que foi um "rápido e superficial abraço" e que ele não teve intenção de assediá-la.

Eu já comentei sobre isso, mas é só ver o vídeo. Reparem na perna dele. Uma das pernas do deputado está colado na minha perna. Isso é inaceitável. Isso não acontece em lugar nenhum do mundo.

Você disse que a maioria do conselho de ética é alinhada ideologicamente com Cury e que durante o processo foi "silenciada por ser minoria na Casa". Se você fosse uma deputada de direita, por exemplo, o desfecho teria sido diferente?

Eu acho que as mulheres de direita denunciam menos, mas não é que elas não sofram assédio. Não acho que seria diferente, porque é muito típico dos poderosos tentar resolver tudo dentro do corporativismo.

Alguma coisa muda na sua atuação parlamentar depois desse episódio?

Eu acho que esse caso mudou a minha vida, quem eu sou. Inevitavelmente muda algo. Agora eu acredito, sim, que a responsabilidade que veio com esse caso me traz uma responsabilidade de abraçar essa pauta, quase que exclusivamente, até que a gente consiga resultados concretos. Vou focar nessa agenda. Eu ganhei esse espaço pela sociedade, que me deu essa legitimidade ao se solidarizar comigo. Então acho que, sim, essa pauta é a luta da minha vida. Pelo fim da dominação masculina pelos corpos das mulheres, de todas as formas.

Acha que vai ter apoio das outras mulheres no plenário da Alesp?

As deputadas se manifestaram publicamente (a favor). Então há uma sinalização de unidade entre as mulheres da Alesp. Vamos ver se isso se concretiza.