Título: Julgamento revive clima de confronto
Autor: Carneiro, Luiz Orlando
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2008, País, p. A10

Corte Suprema do país deve julgar esta semana polêmico decreto que demarca ter ritórios indígenas em Roraima. Juízes já deram sinais de que votos a favor e contra se dividirão

Luiz Orlando Carneiro

BRASÍLIA

O Supremo Tribunal Federal deve decidir na quarta-feira, em sessão plenária que começa às 9h, a ação-piloto que contesta o polêmico decreto presidencial, de maio de 2005, homologatório da demarcação contínua da reserva indígena Raposa/Serra do Sol ­ 1,7 milhão de hectares de Roraima estado onde vivem cerca de 50 mil índios, em terras da União, que já representam 46% do total de seu território.

No dia 27 de agosto, o ministro-relator, Ayres Britto, num voto de mais de 100 páginas, manteve o decreto e todas as suas conseqüências, por entender que qualquer demarcação de terra indígena deve ser sempre contínua, já que somente tal "formato" atende plenamente à norma constitucional segundo a qual "são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas e tradições, e os direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". O ministro Menezes Direito pediu vista dos autos em seguida, para melhor estudar o tema "extremamente complexo", e leva agora o seu voto.

Diver gências

Embora Ayres Britto aposte na confirmação de sua posição pela maioria do tribunal, dois ministros sondados pelo JB admitem que haverá muitas divergências. A questão poderá ser resolvida com base num "voto médio" destinado a manter a demarcação sob certas "condições essenciais" à preservação do princípio federativo, cláusula fundamental da Constituição.

Segundo um deles, é preciso que o STF impeça a possibilidade de se criar no país "uma verdadeira nação indigenista", da qual brancos e índios há muito aculturados seriam praticamente expulsos e extintos municípios e vilas onde convivem as duas etnias. Além disso ­ ao contrário do entendimento do relator - o STF vai ter de discutir se a demarcação em causa conflita com o parágrafo 2º do artigo 20 da Carta, segundo o qual a faixa de fronteira (de 150 quilômetros de largura ao longo das fronteiras terrestres) "é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei".

Ação popular

O julgamento ­ considerado um "leading case" para outras demarcações ­ é de uma ação popular (Petição 3388) proposta pelos senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB) e Augusto Botelho (PT), ambos de Roraima. O terceiro senador que representa o Estado na Federação, Romero Jucá (PMDB), é o atual líder do governo na Câmara Alta. Ele apóia totalmente a ação movida contra o decreto de demarcação contínua e radical da Raposa/Serra do Sol, com o argumento de que "independentemente de ser líder do governo, o meu mandato é de senador por Roraima, e minha obrigação primeira é com o meu Estado".

Em junho do ano passado, o plenário do STF negou, por unanimidade, mandado de segurança da Itikawa Indústria e Comércio e de outros quatro fazendeiros que contestavam o decreto presidencial e a portaria do Ministério da Justiça que demarcaram a reserva de forma contínua. O mérito da questão não foi então discutido, já que o tribunal entendeu, apenas, que o mandado de segurança não era a "via adequada" para "atacar" o decreto e a portaria do Executivo. Mas o relator do recurso e da ação a ser julgada na quarta-feira, ministro Ayres Britto, adiantou no seu voto não ter "vislumbrado" nenhuma ilegalidade ou abuso de poder nos atos do governo.