Título: Balcão do tráfico de animais
Autor: Sáles, Felipe; Abade, Luciana
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2008, Cidade, p. A19

Felipe Sáles Luciana Abade

Famosa pelas belezas naturais e pelas zonas de risco, a Cidade Maravilhosa ­ ou Cidade Partida ­ é o balcão de negócios preferido não apenas de traficantes de armas e drogas. O Rio é uma das principais rotas de animais silvestres do país (ao lado de São Paulo), abastecendo tanto o mercado externo quanto o interno, incrementado com mais de 100 feiras livres, segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). Terceiro crime mais rentável do mundo ­ movimentando em torno de US$ 900 milhões por ano no Brasil ­ o tráfico de animais vem batendo recordes de apreensões no Rio, com acréscimos superiores a 150%, apesar da precária infra-estrutura com que convivem os agentes fiscalizadores.

O Renctas afirma que o tráfico de drogas e armas está diretamente ligado ao de animais silvestres, informação avalizada pelo primeiro tenente Eric Cardoso, subcomandante da 1ª Companhia do Batalhão de Polícia Florestal e de Meio Ambiente da Polícia Militar (BPFMA). Depois de mudar as estratégias de combate às feiras livres, o batalhão aumentou as apreensões de animais de 1.908 no ano passado para 4.816 até outubro deste ano. ­ Hoje há olheiros com rádiotransmissores em pontos avançados das feiras, como acontece com o tráfico ­ contou Cardoso. ­ Por isso, tivemos de mudar o modus operandi: enviamos policiais à paisana e, em seguida, chegam as viaturas. Com isso, conseguimos apreender até 80% dos animais comercializados.

Lei tênue

Ao todo, existem mais de 100 feiras livres no estado do Rio, em municípios como Vassouras, Miguel Pereira, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Piraí, São Gonçalo, Magé, Campos dos Goytacazes, São João da Barra, São Fidélis e Muriaé, além de Duque de Caxias, a mais famosa do Rio. Um dos principais problemas enfrentados no combate ao crime, porém, é a fragilidade da Lei 9.605, que determina a pena de um a três anos de prisão para os criminosos. ­ De 30% a 60% dos bandidos são reincidentes ­ conjecturou. ­ Os criminosos apenas são levados à delegacia, assinam um termo circunstancial e vão embora após pagarem fiança de R$ 960. Uma mixaria. Um dos presos tinha no bolso R$ 2.600, e a feira estava ainda no início. Quando terminamos a ocorrência do vigésimo preso, por exemplo, o primeiro já está nas ruas.

A PM foi a corporação que mais fez apreensões este ano ­ embora conte com viaturas antigas e apenas quatro policiais de plantão por dia, isso quando não estão em busca de corpos de gente em morros da cidade. Em seis meses, a Polícia Federal apreendeu 1.787 animais, e a Polícia Rodoviária Federal contabilizou 459 até novembro deste ano, contra 250 no ano passado. O inspetor Eugênio Nemirovsy, chefe da seção de policiamento e fiscalização da PRF, conta que muitos animais vêm sendo transportados dentro de ônibus, o que dificulta a fiscalização. ­ Quanto mais aumentamos a repressão, mais os traficantes criam rotas alternativas e horários variados ­ afirmou Eugênio, citando as principais rodovias, como a Via Dutra e a Rio­Petrópolis, como as maiores rotas.

O Rio é o principal mercado, e, sem dúvida, as apreensões serão maiores se maior for a fiscalização. Segundo o Renctas, por ano, cerca de 38 milhões de animais são retirados da natureza. De cada 10, nove morrem durante a captura ou no transporte. Apenas um chega às mãos do consumidor, 60% deles no mercado interno e 40% o exterior.