Título: Precisamos de menos burocracia
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2008, Economia, p. E1

Depois de anos afastado da Embraer, que ajudou a criar e da qual foi presidente da fundação até 1986, Ozires Silva retornou à empresa para conduzí-la durante o processo de privatização, concluído em 1994. Foi presidente da Varig em um dos melhores momentos da companhia, entre 2000 e 2003. É membro permanente de várias Associações Internacionais ligadas a aviação e recebeu medalhas de países para os quais os aviões brasileiros foram exportados.

Ozires é autor dos livros A Decolagem de um Sonho: História da Criação da Embraer (Lemos Editorial, 1998), Cartas a um jovem empreendedor (Elsevier, 2006) e Nas Asas da Educação: A trajetória da Embraer. (Elsevier, 2008).

A crise pode alterar o cronograma da exploração do pré-sal?

O cronograma do pré-sal, devido à dificuldade técnica, é de longo prazo. Se o país fizer as mudanças que precisa, o pré-sal não será afetado. Quando conseguirmos tocar no óleo de Santos, o que acontecerá no mínimo em 2015, não vamos nem nos lembrar desta crise.

O senhor será um articulador dos projetos da Unimonte?

Seria muita pretensão, vou ajudar no que posso, o time é muito bom. Na reitoria não exercerei atividades executivas, que ficarão a cargo do vice-reitor, o Flávio Korn. Não assumir funções executivas foi uma condição para aceitar a reitoria. Já tenho quase 80 anos e costumo brincar que minha expectativa de vida é pequena. Quero é mandar brasa em projetos que possa executar.

Como avalia a política educacional que é desenvolvida hoje?

Que política educacional? Existe? Deve estar muito escondida.

O que falta à educação brasileira?

Não estou falando do atual ministro nem do atual governo, mas acho que não precisa de um dirigismo cultural a partir de Brasília. Rejeito isto claramente. O povo não mora na União Federal, o povo mora na cidade e mora no Estado. Especialmente na cidade, portanto a educação é um problema da cidade, de cada um dos habitantes, não é um problema governamental, de um cara que está lá em Brasília, soltando diretiva de tudo quanto é jeito. A quantidade de portarias, decretos, diretivas de ensino que saem é imensa. Não se passa um dia que não receba alguma por e-mail, modificando alguma coisa de caráter drástico que muitas vezes impõe custos às companhias e o governo não paga.

O que cabe, então, ao Estado?

Traçar uma política a mais aberta possível. Primeiro porque não acredito que a educação se expanda em um regime repressivo. A educação faz parte de um processo criativo absolutamente aberto, em clima de liberdade.

Nesse contexto, qual é a importância do ensino gratuito?

Sou produto do ensino gratuito. Comecei minha carreira na Força Aérea, aprendi a voar e sou oficial dela, que também me forneceu a vaga no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Ita) e a bolsa para a pós-graduação nos EUA.

Quais as perspectivas para a crise pós-posse do Obama?

Os EUA estão desaparelhados para enfrentar a crise. O mercado financeiro americano permitiu desmandos com cobertura e penalizou enormemente a sociedade. A grandeza dos Estados Unidos está em um negócio chamado liberdade, que nós não temos aqui no Brasil. Isso dá expansão para a criatividade de cada americano e, no clima de liberdade, eles produzem as riquezas.

Mas o governo deve prover a sociedade de mecanismos de previsibilidade e isto faltou em relação ao sistema financeiro americano. O que cabe ao Obama é fazer este ordenamento para que o sistema dê respostas satisfatórias a quem corre risco.

E no Brasil, também falta este ordenamento?

Até hoje, vivi 22 planos econômicos no Brasil. Estes pacotes vacinaram o sistema financeiro brasileiro que acabou tendo um ordenamento muito melhor que o americano. O sistema brasileiro está muito mais preparado para enfrentar situações que o americano.

Como a crise vai impactar o país em 2009?

A crise é para eles, para nós é oportunidade. Com nosso sistema financeiro mais protegido que o deles, podemos ocupar espaços que eles não vão poder.

E como tirar vantagem deste momento?

Uma das coisas que podemos fazer é descobrir que temos um mercado interno extremamente poderoso. Podemos criar estímulos para este mercado. A economia brasileira por si só é um recurso do maior valor, que o brasileiro não usa.

É a hora de começar a descobrir a produção brasileira e estimular a produção brasileira, assim como o consumo. Se um copo for importado, vamos comprar o copo fabricado aqui. É uma oportunidade de ouro para desenvolver o mercado interno criando uma economia doméstica poderosa, uma das principais características dos Estados Unidos.

Que outras ações seriam positivas em 2009?

Reforma tributária, redução da taxa de juros e da burocracia para se gerar riqueza para investir. É preciso flexibilizar a legislação para que empresas que quebrem voltem a funcionar. Tudo baseado em liberdade e estímulo para crescer e se desenvolver.

Por que o senhor costuma dizer que o brasileiro é vocacionado para o fracasso?

O brasileiro é extremamente criativo, mas o sistema cultural lhe impõe tais dificuldades que os brasileiros morrem sem realizar seus sonhos.

Então, o problema não é só o governo?

Não, é o sistema cultural. A população não compra produtos brasileiros. Não é como o chinês, que só compra produtos chineses, o americano só compra produtos americanos. Nós só compramos os produtos deles. Os nossos políticos agem de acordo com o que está na cultura do povo. O povo busca o sucesso, mas não consegue. É destinado ao fracasso devido a tais circunstâncias.

Como foi vencer essa mentalidade e criar a Embraer?

Levei 20 anos para começar a fazer alguma coisa que prestasse. A turma do deixa-disso não dava trégua. Diziam que o o avião não seria fabricado. Se fosse, não venderia. Mas desistir não faz parte do meu dicionário. Agora veja o recorde que temos. A Embraer é a maior do mundo na fabricação de aviões regionais, mas não temos um avião brasileiro voando no Brasil. Zero. A maior frota de aviões nos Estados Unidos hoje é a nossa.