Título: A crise não vai afetar o pré-sal
Autor: Rosa, Leda
Fonte: Jornal do Brasil, 07/12/2008, Economia, p. E1

Criador da Embraer fala, sem papas na língua, sobre políticas quanto à crise, educação e setor aéreo

Leda Rosa

SÃO PAULO

Ozires Silva tem 77 anos e fôlego de menino. Há menos de um mês, o engenheiro e piloto que criou a Embraer é o novo reitor do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), em Santos, e já tem planos. Primeiro, ampliará a grade curricular para formar engenheiros e outros profissionais de Ciências Exatas. Ao mesmo tempo, ajustará estes novos graduados às necessidades do mercado de trabalho que se abrirão com a exploração do pré-sal no litoral santista.

O ex-ministro da Infra-estrutura e das Comunicações também negocia, paralelamente, com a prefeitura de São José dos Campos, a construção de um museu interativo para estimular futuros engenheiros. Em um intervalo entre as reuniões diárias que mantém em seu escritório na marginal Pinheiros, o ex-presidente da Petrobras e da Varig, falou com exclusividade ao Jornal do Brasil sobre educação, crise e também sobre seu tema preferido: o setor aéreo.

Quais são seus planos como reitor da Unimonte?

O grupo Anima, que comprou a Unimonte há dois anos, já começou um plano que está funcionando e tem características vencedoras. Quero destacar nossa entrada na área de Engenharia. Tenho insistido que o Brasil está produzindo muito poucos engenheiros. Estudos nesta direção já estão em curso.

Por que formar engenheiros é importante?

As companhias americanas estão reclamando que os Estados Unidos não formam engenheiros suficientes para o desenvolvimento e necessidades do país. A China produz 300 mil engenheiros por ano. Em 2007, o Brasil formou 23 mil. Quem realmente fabrica as coisas são os engenheiros, então esta é uma questão muito séria.

Na Universidade Santo Amaro, onde o senhor era o reitor até bem pouco tempo, esta tendência já era sentida?

Sim. No vestibular de 2007, 70% dos jovens preferiram Ciências Humanas.

Matemática continua sendo um tabu na escola?

Na realidade, Matemática é uma das fraquezas da educação brasileira. Estamos articulando um programa para estimular o desenvolvimento dos alunos nessa área, com palestras e atividades dirigidas. A Matemática está nas nossas vidas, mas no Brasil há uma barreira, as pessoas acham complicado. O resultado é que a população brasileira não sabe fazer contas simples como uma regra de três. Taxas de juros, então...

Qual a raiz deste quadro?

Quando a criança olha um produto, especialmente algo que se move, algo interativo, ela se sente muito atraída. Evidentemente, isto fica no subconsciente da criança, e quando chega na hora de fazer uma opção profissional, do que ela se lembra? Se lembra disto. A sociedade brasileira tem que se preparar para a nova realidade, a partir dos alunos das primeiras séries.

Foi esta preocupação que detonou o projeto do museu infantil em São José dos Campos?

Sim, sou muito próximo de São José e o prefeito de lá topou construir em uma praça um museu interativo, patrocinado pelas empresas. Neste espaço, as empresas vão expor seus produtos e mostrar como são fabricados. Então, a criançada vai lá e mexe, tem vidro, tem avião, tem automóvel, acessórios da indústria aérea. As crianças vão conhecendo possibilidades, percebendo melhor suas afinidades e direcionar as vocações.

A idéia, então, é formar profissionais que vão atuar no pré-sal santista?

O pré-sal de Santos é um presente enorme da natureza, mas a indústria do petróleo é concentradora. Se não fizerem nada em relação àquela parte toda decorrente da descoberta do petróleo, vai ter santista crescendo sem ver que cara tem o petróleo, porque o produto entra em um oleoduto e vai ser trabalhado em regiões mais desenvolvidas do país.

Que ações recomendaria para evitar este quadro?

O investidor vai para onde estão as maiores facilidades, onde possa gastar menos. Quando comecei a fabricar avião, o pessoal reclamava que o motor, pneus, eletrônica eram importados. Eu dizia que tudo isto a indústria de avião não fabrica. Se não tem no Brasil, vamos comprar lá fora. Se Santos não tiver essa mão-de-obra preciosa, o investidor não colocará o dinheiro na cidade. O mesmo acontece em relação aos talentos, ao pessoal para tocar plataforma, sistema de distribuição de óleo.

Formar esta mão-de-obra é uma estratégia pensada em parceria com a Petrobras?

Conheço bem e tenho discutido bastante com o superintendente da Petrobras que está tocando este projeto do pré-sal, o José Luiz Marcusso. O setor de recursos humanos da Petrobras está discutindo quais são as especialidades que devem precisar de reforços. Tudo está vinculado a uma provável oferta de emprego. Não adianta formar um especialista em operação de plataforma que depois não encontra emprego.