O Globo, n.31990 , 08/03/2021. Economia, p.19

 

Serviços agonizam

Glauce Cavalcanti

Raphaela Ribas

08/03/2021

 

 

Sem nova rodada de ajuda do governo, empresas fecham as portas e demitem

A falta de ação do governo federal no combate à pandemia está levando as empresas a reviver o pesadelo de março de 2020. Com as reservas financeiras esgotadas e o caixa em baixo, principalmente no setor de serviços - que responde por 70% do PIB do país - as empresas e Especialistas dizem que, sem as medidas de socorro necessárias, haverá um aumento no desemprego e fechamentos de empresas.

Izabel Serra, 54, teve que fechar seu restaurante Canto d'alice, no bairro das Laranjeiras, após 27 anos. Ela tentou vender refeições usando um aplicativo de entrega, mas o faturamento era muito baixo. Sem crédito e com pouco caixa para manter sua equipe após a suspensão da medida que permitia reduzir salário e jornada e suspender salários de funcionários, ele optou por despedir parte deles no ano passado.

- De todas as crises, esta foi a pior. Não tem banco, não tem ajuda, não tem empréstimo, os preços subiram e não tem como repassar para o cliente. O dono (do imóvel) até ofereceu aluguel grátis até o final do ano, mas não vale a pena. Estamos abandonados - lamenta a empresária que está vendendo móveis e equipamentos do restaurante para pagar as rescisões.

Como a retomada que estava prevista no último semestre foi revertida pelo recrudescimento da pandemia, com a iminência de um novo bloqueio, as empresas pedem principalmente a volta do Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda (BEm), a prorrogação do prazo para pagamento dos empréstimos concedidos via Pronampe (linha de crédito com juros menores criada na crise) e parcelamento de tributos. O Ministério da Economia trabalha para retomar as medidas, ainda sem previsão de quando serão implementadas.

- A recuperação em “V” foi abortada pela segunda onda (de casos). Seria necessário ter nova rodada de estímulos porque o coberto fica curto e vai faltar tecido. Mas eles não virão na mesma proporção. As consequências já são visíveis: a inadimplência está aumentando - avisa Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.

CORTE DE 1 MILHÕES DE VAGAS

A lentidão do governo em trazer de volta as medidas de 2020, avaliam os especialistas, infla os prejuízos à economia brasileira. Desde o início da pandemia, 300 mil bares e restaurantes fecharam, cortando um milhão de empregos. Quase 80% das empresas desse segmento afirmam que fecharão as operações se não houver reemissão do bem, mostra pesquisa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

- Agora, os empresários estão enfrentando o vencimento dos empréstimos do Pronampe e sem caixa. Em fevereiro, um em cada cinco empresários estava com dívidas vencidas - afirma Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.

Na sexta-feira, a entidade conseguiu liminar na Justiça para reduzir a restrição de horário ao funcionamento de bares e restaurantes decretada pela prefeitura do Rio na véspera. Mas a liminar foi anulada. Os empresários pedem indenizações, como suspensão do apagão e proibição de despejo por atraso no aluguel.

O centro do Rio é a microrregião que enfrenta a situação mais delicada, pois muitos funcionários de escritório estão em casa. Os donos da DarkCoffee, que fica perto do Boulevard Olímpico, chegaram a suspender o contrato dos funcionários, mas agora não sabem como farão para pagar os salários:

- Na época foi uma boa medida, mas como tenho que ficar com os funcionários pelo mesmo período da suspensão e o movimento não voltou ao normal, está pesando no bolso. A situação já está no pescoço, podemos aguentar seis meses nesse ritmo - afirma o gerente João Barreto.

Rubens Massa, professor do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV, destaca que o governo demora para anunciar alívio:

- Em pequenas empresas, é a morte por inanição. Eles não têm a quem recorrer e já queimaram as reservas. O efeito se multiplica porque toda dívida não paga é um fornecedor que deixa de receber.

75 MIL LOJAS FECHADAS

No varejo, a situação se repete. Em 2020, 75 mil lojas fecharam suas atividades no país. No Rio, nem mesmo as vendas de final de ano ou a prazo economizaram lojas e, em janeiro, houve queda de 15% em relação ao mesmo mês de 2020, segundo CDLRio e SindilojasRio.

Jaqueline Karina Bispo dos Santos, 35, e o marido venderam roupas em uma feira na Tijuca, fonte de renda da família. Com uma queda no movimento, ela ficou por cinco meses, vendo você negociar dívidas com a organização da feira. Este ano, atrás de clientes, montou uma pousada num trailer que tem no Grajaú.

- Tive que pegar um empréstimo e pegar dois cartões de crédito para fazer a virada porque não tinha dinheiro. Comer a vacina, a expectativa era que melhorasse, mas olha só ....

Para Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio, é preciso ajudar as empresas, com atenção aos serviços:

—Este ano, a indústria se voltará para a exportação, enquanto o comércio pode se apegar à venda online. Mas e os serviços?

No hotel carioca, a ocupação caiu pela metade no verão, para 40%, diz Alfredo Lopes, à frente da Associação dos Hotéis do Estado do Rio. Ele ressalta que os hotéis já utilizaram todos os recursos.

Eduardo Seixas, diretor de reestruturação societária da Alvarez & Marsal, lembra que há grandes empresas que saíram fortalecidas com a crise. E, em suma, a ajuda do governo em 2020 impulsionou a explosão de pedidos de recuperação judicial:

- Essa mudança deve vir este ano. Estimamos um aumento de 53% nos pedidos de recuperação judicial. Mesmo as empresas que resolveram barreiras vão morrer na praia diante do agravamento da pandemia, dependendo do que for anunciado pelo governo federal.

A ESPERA DA VACINA

A consultoria prevê que o número de pedidos de recuperação suba para 1.800, voltando ao recorde histórico de 2015 e 2016.

- Dependemos da aprovação emergencial do PEC e, claro, da vacina - afirma Silas Santiago, gerente de Políticas Públicas do Sebrae.

A PEC, que desbloqueia o pagamento da ajuda emergencial, foi aprovada no Senado e deve ser votada na Câmara nesta semana.

Santiago destaca que o nascimento de empresas está crescendo, apontando para o empreendedorismo por necessidade. Em 2020, houve um recorde de 16,27% nos registros de Novos Microempreendedores Individuais (MEI), ou 2,965 milhões. Em Janeiro, o aumento foi de 21%, com 312 mil novos MEIs, face ao mês homólogo do ano anterior. Em fevereiro, subiu mais de 30%, com 276 mil.