O Globo, n.31991 , 09/03/2021. País, p.6

 

Gilmar Mendes quer julgar suspeição de Moro

Crolina Brígido

09/03/2021

 

 

Decisão de Fachin sobre processos de Lula derrubou também análise de possível parcialidade do ex-juiz. Surpreendido, ministro cogita ignorar decisão de colega e levar debate à Segunda Turma do Supremo

O ministro Gilmar Mendes afirmou a interlocutores sua intenção de passar por cimada decisão de Edson F achinele varem breve para julga mentona Segunda Turma a ação que questiona a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução de processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O movimento explicitaria uma disputa interna que há na Corte sobre a Operação Lava-Jato.

Gilmar foi surpreendido ontem por Fachin —assim como os demais integrantes da Corte. A decisão não apenas anulou condenações de Lula, mas declarou que a ação sobre a suposta parcialidade de Moro não seria mais julgada. O ministro e seus aliados no Supremo consideram que o relator da Lava-Jato ignorou a Segunda Turma ao tomar sozinho uma decisão que esbarrou na que seria resolvida em colegiado —a análise do recurso já começou, e Gilmar está com o processo por ter pedido vistas.

MAIOR ALCANCE

Se Gilmar levar o plano adiante, a Segunda Turma vai decidir, primeiro, se continuará o julgamento sobre a suspeição de Moro ou se a decisão de Fachin impedirá que o caso continue tramitando. A colegas, Fachin revelou que a decisão que anula processos de Lula foi uma tentativa de salvara Lava Jato. Isso porque o ministro declarou somente que a13ªV ara Federal de Curitiba, então comandada por Moro, não tinha atribuição de julgar os processos contra Lula.

O julgamento do recurso que questiona a parcialidade de Moro teria um alcance muito maior. Se o ex-juiz fosse considerado parcial para conduzir os processos — o que provavelmente aconteceria na Segunda Turma —, todos os atos processuais contra Lula e contra outros investigados poderiam ser anulados. Seria como jogar pelo ralo todo o trabalho da Lava-Jato de Curitiba.

Na turma, Fachin já tinha votado a favor de Moro. Gilmar tinha dado a entender que votaria contra o ex-juiz. Ou seja, os ministros estavam em times opostos. Enquanto o primeiro tentava salvara Lava-Jato; o segundo tinha a intenção de dar um basta à “República de Curitiba”, como costuma se referir aos investigadores da capital paranaense.

Enquanto isso, há a expectativa de que a decisão de Fachin que salvou Lula —e, por tabela, Moro —seja levada a plenário. A Procuradoria-Geral da República (PGR) já anunciou que recorrerá da decisão.

Se Mendes levar o caso Moro antes para a turma, será também uma forma de se medir a temperatura do tribunal em torno da polêmica. A discussão na Segunda Turma sobre a validade ou não da decisão de Fach in de cancelar o julgamento sobre a suspeição de Moro dará o tom do que pode acontecer em plenário.

Na Segunda Turma, Cármen Lúcia concordou com F achine votou pela imparcialidade de Moro. Lewandowski concordou com Gilmar Mendes nas discussões e deu a entender que votaria também pela anulação dos processos que estavam nas mãos de Moro. A expectativa era de que Nunes Marques se somassem aos dois últimos, cravando a derrota de Moro.

Na discussão em plenário, haveria outros seis ministros — portanto, a votação seria mais diluída do que na Segunda Turma. Fachin considera mais fácil manter sua decisão em plenário.

Ontem mesmo, depois de ter divulgado a decisão que salvou Lula, Fachin conversou ao telefone com o presidente do tribunal, Luiz Fux, de quem recebeu apoio.

Existem, porém, votos de ministros que nunca se manifestaram sobre o tema, porque são da Primeira Turma, como Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello. Este, afirmou que não se pode “execrar” Moro. Luís Roberto Barroso costuma defendera Lava-Jato. Já Dias Toffoli, que hoje é da Primeira Turma, costumava votar com Gilmar quando era da Segunda.

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Entenda os impactos da decisão de Fachin

09/03/2021

 

 

O que foi decidido?

Em resposta a um recurso da defesa de Lula, que questionava a competência da Justiça Federal de Curitiba para avaliar casos envolvendo o ex-presidente, Fachin acatou o argumento de que não houve conexão direta entre desvios na Petrobras e o pagamento de supostas vantagens indevidas a Lula pela empreiteira OAS, por exemplo, nos processos referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia. Em outras palavras, Fachin firmou entendimento de que decisões proferidas por Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba referentes a quatro ações, incluindo os casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, devem perdera validade, por não se tratar do foro adequado. Em julho 2017, ao negar um recurso da defesa de Lula na primeira instância, o então juiz Sergio Moro já havia escrito que “este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos coma Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente”.

Qual foi o argumento usado pela defesa de Lula?

Os advogados do ex-presidente Lula citaram, em sua petição, um entendimento construído inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) numa questão de ordem de setembro de 2015, “segundo o qual a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância, em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional previstas no ordenamento jurídica”, conforme relatou Fachin em sua decisão.

Por que só agora Fachin decidiu?

Porque o pedido de habeas corpus foi feito pela defesa de Lula em novembro de 2020, segundo informa Fachin logo no início de sua decisão. O ministro também explica que esta impetração foi “pela vez primeira assim apresentada” pelos advogados do expresidente. Fachin ainda faz a ressalva de que o pedido se refere a situações similares julgadas pelo STF em período recente, nos quais ele mesmo “restou vencido”.

Em que pé ficam os processos contra Lula?

Fachin determinou a nulidade “apenas dos atos decisórios” tomados nos processos envolvendo Lula — isso é, a apresentação e recebimento das denúncias e o julgamento propriamente dito. Em sua decisão, o ministro do STF escreveu que “o juízo competente (deve) decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios” — ou seja, a Justiça Federal do Distrito Federal, apontada como foro competente para os casos envolvendo Lula, terá que decidir se confirma a validade de outros atos no processo, incluindo os depoimentos tomados por Moro em Curitiba e também as provas obtidas por meio de buscas e quebras de sigilo autorizadas pelo então juiz. Um sorteio definirá o novo juiz do caso.

Lula volta a ser ficha limpa?

Sim. Como os processos em que Lula havia sido condenado em segunda instância foram anulados, o ex-presidente volta a ter sua elegibilidade permitida pela Lei da Ficha Limpa. No entanto, caso uma nova denúncia seja apresentada contra o ex-presidente e julgada em primeira instância, e depois confirmada em segunda instância, antes do período de registro de candidaturas das eleições de 2022, Lula pode ficar inelegível novamente.

Cabe recurso à decisão de Fachin?

A Procuradoria-Geral da República já disse que vai recorrer da decisão. Esse recurso pode pedir ao próprio Fachin que modifique seu entendimento ou solicitar que o tema seja levado a julgamento dos demais ministros, seja na Segunda Turma do STF ou no plenário.

A decisão afeta outros casos da Lava-Jato?

É possível que sim. Na semana passada, Fachin já havia decidido em outra ação, com base em razões semelhantes às levantadas pela defesa de Lula, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para analisar ilícitos envolvendo a Transpetro. A decisão ocorreu em recurso movido pela defesa dos empresários Germán Efromovich e José Efromovich, que respondem na Justiça pelo suposto pagamento de propina e lavagem de dinheiro envolvendo contratos do estaleiro Eisa com a empresa subsidiária da Petrobras. Fachin decidiu remeter o caso também à Justiça Federal do DF. A tendência é que outros casos com teor semelhante investigados pela Lava-Jato de Curitiba, que não envolvem diretamente desvios da Petrobras, sejam levados à Corte com pedidos de incompetência de foro.

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Sorteio definirá se Lula terá juiz ''linha-dura” ou ''garantista''

Aguirre Talento

09/03/2021

 

 

Magistrados da Justiça Federal do DF já deliberaram sobre Eduardo Cunha e Temer

Será definido por sorteio qual juiz federal do Distrito Federal receberá as ações penais da Lava-Jato contra o ex-presidente Lula. A distribuição indicará se o petista será julgado por um magistrado com histórico “punitivista” ou por um de viés mais “garantista”.

O envio do caso para o DF —onde há duas varas especializadas em lavagem de dinheiro, a10ªea12ª—f oi determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal( STF) Edson Fachin ao anular as condenações do petista.

A 10ª Vara da Justiça Federal tem histórico mais linha-dura na análise de casos de corrupção. Atuam na repartição os juízes Vallisney de Oliveira, titular; e Ricardo Leite, substituto. O primeiro, inclusive, já tornou Lula réu em uma ação de corrupção passiva na Operação Zelotes e impôs duras condenações em outros processos dessa mesma operação. Vallisney também foi responsável por condenar o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) a um apena de 24 anos de prisão.

DECISÕES DURAS

Leite absolveu Lula em uma acusação de obstrução das investigações da Lava-Jato decorrente da delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral, mas proferiu outras decisões duras, como de terminação da suspensão do funcionamento do Instituto Lula.

O juiz Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara da Justiça Federal, é considerado de perfil mais garantista. Em outubro de 2019, ele absolveu o expresidente Michel Temer (MDB) da acusação de que atuou para obstruir as investigações da Lava-Jato, com base na gravação feita pelo empresário Joesley Batista:

“Aprova sobre a qual sefia a acusação é frágil e não suporta sequer o peso da justa causa para a inauguração da instrução criminal”, registrou o juiz em sua sentença.

Ajuíza substituta da12ªV ara Federal, Pollyanna Kelly, tem um perfil rígido na aplicação da lei penal. Ela autorizou diversos mandados de prisão em investigações sobre desvios no Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Em novembro de 2018, ajuíza aceitou denúncia movida pelo Ministério Público Federal sobre a existência de uma organização criminosa no Ministério do Trabalho, descoberta na Operação Registro Espúrio, e tornou réus o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) e outros 19 acusados de envolvimento no caso.

Às varas do DF serão distribuídas quatro ações: tríplex do Guarujá, sítio de Atibaia, sede do Instituto Lula e doações ao Instituto Lula. A decisão de Fachin, entretanto, não deixou claro se os quatro processos deverão ficar com um mesmo juiz ou se eles serão distribuídos livremente para qualquer um dos quatro magistrados .

DESTINO IMPREVISÍVEL

Em sua decisão, Fachin diz que os juízes poderão escolher reaproveitar atos processuais tomados pela 13ª Vara Federal de Curitiba ou reiniciar totalmente a instrução das ações penais. Com isso, é imprevisível o destino que os processos terão. As ações deverão ser enviadas nos próximos dias.

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Deltan vê "reais chances de prescrição" em processos

Cleide Carvalho

Gustavo Schmitt

09/03/2021

 

 

Ex-chefe da Lava-Jato em Curitiba afirma que provas contra ex-presidente são 'consistentes'

Fora do comando da forçatarefa da Lava-Jato de Curitiba desde setembro, o procurador Deltan Dallagnol afirmou ontem que vê “reais chances de prescrição” nos processos que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STTF) Edson Fachin que anulou todas as condenações do petista na operação.

“Processos envolvendo o expresidente serão retomados em breve, mas com reais chances de prescrição. Nada disso, contudo, apaga a consistência dos fatos e provas”, disse.

Acusações de corrupção prescrevem em 16 anos se a Justiça não aceitar denúncia apresentada pelo Ministério Público, segundo advogados consultados pelo GLOBO. Como Lula tem mais de 70 anos, esse prazo cai pela metade. As ações do sítio de Atibaia e do tríplex do Guarujá, sobre fatos ocorridos até 2014, prescreverão no ano que vem se eventual denúncia do MPF do Distrito Federal não for aceita. Nos casos de Lula, as acusações de lavagem de dinheiro prescreverão em 2024.

Deltan Dallagnol afirmou ainda que provas levantadas contra Lula são“consistentes ”. Após comentara decisão de Fachin,ch amou a atenção para “retrocessos” no combate à corrupção.