O Globo, n.31991 , 09/03/2021. País, p.7

 

Planalto vê clima de "Fla-Flu" novamente para eleições de 2022

Jussara Soares

Julia Lindner

Leandro Prazeres

09/03/2021

 

 

Polarização entre Bolsonaro e o PT dificulta o cenário para uma terceira via, como Doria, Huck, Ciro e Mandetta

A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que tornou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegível novamente devolve o clima político mais acirrado para as eleições de 2022, avaliam integrantes do primeiro escalão do governo Jair Bolsonaro. Para auxiliares do Palácio do Planalto, o parecer de Fachin, embora criticado, restabelece a polarização, o que é favorável para a narrativa tanto de Bolsonaro quanto de Lula.

“Decretaram um FLA x FLU monocraticamente”, escreveu o ministro das Comunicações, Fábio Faria, no Twitter. A expressão, comparando ao clássico do futebol carioca, foi usada por outros integrantes do governo para definir o clima político.

Para outros dois ministros ouvidos pelo GLOBO, a decisão de Fachin impôs uma derrota antecipada ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao ex-ministro Ciro Gomes (PDT), ao ex-ministro Sergio Moro, e ao apresentador Luciano Huck, apontados como uma terceira opção para 2022.

Para aliados de Bolsonaro, a polarização com Lula diminuem as chances de uma candidatura ao centro. Huck e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), que também tenta se cacifar, criticaram a volta de Lula ao páreo.

Nas análises preliminares de interlocutores do governo, o presidente também tende a sair fortalecido, uma vez que a volta de Lula ao cenário político reforça o seu discurso antipetista, que o ajudou a se eleger ao Planalto em 2018.

Após a decisão de Fachin, Bolsonaro, que vinha evitando a imprensa em meio ao recrudescimento da pandemia, deu declarações a emissoras de televisão ao chegar no Palácio da Alvorada.

Ele disse acreditar que o povo brasileiro não quer ter Lula como candidato em 2022. Bolsonaro afirmou que podem até existir suposições sobre o caso envolvendo o sítio de Atibaia e o tríplex no Guarujá, mas que a gestão de Lula no comando do país foi “catastrófica”.

Bolsonaro insinuou que Fachin decidiu anular as condenações do ex-presidente por possuir “uma forte ligação com o PT”.

— Qualquer decisão dos 11 ministros (do STF) é possível prever o que eles pensam. O ministro Fachin sempre tinha uma forte ligação com o PT, então não nos estranha uma decisão nesse sentido. Foi uma decisão monocrática. Vai ter que passar pela turma ou pelo plenário para que tenha a devida eficácia —disse ele.

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), expoente do Centrão, questionou se a decisão pretende beneficiar Lula ou o ex-juiz Sergio Moro. “Lula pode até merecer. Moro, jamais!”, escreveu ele no Twitter, em referência indireta à possibilidade de o julgamento sobre suposta parcialidade de Moro não mais acontecer.

CRÍTICAS AO PT

Bolsonaro disse que “todo mundo foi surpreendido pela decisão” e reforçou críticas ao PT:

— Todo mundo foi surpreendido por isso daí, afinal de contas as bandalheiras que esse governo fez estão claras perante toda a sociedade. Você pode até supor, né, a questão do sítio em Atibaia e o apartamento (no Guarujá), mas você tem coisas como desvios no BNDES e desvios enormes na Petrobras. Foi uma gestão catastrófica do governo do PT.

Em seguida, o presidente disse acreditar que o povo brasileiro não quer a candidatura de Lula.

— A bolsa foi lá para baixo e o dólar foi para cima. Ou seja, todos nós sofremos com uma decisão como essa aí. Agora espero que a turma do STF reestabeleça o julgado —disse.

Depois, em entrevista a um canal de TV, Bolsonaro disse que a decisão de Fachin pode levar descrédito ao Judiciário:

— Não sei o que vai acontecer, mas será um descrédito para a Justiça e é muito ruim para o Brasil. Porque a partir do momento em que você diga que o Lula... que foi tudo anulado no tocante a ele... é sinal que não teve Petrolão, que não houve roubalheira em várias estatais e bancos estatais, apesar de delatores terem, em delações premiadas, terem devolvidos mais de R$ 2 bilhões para o Tesouro.

Questionado, Bolsonaro disse que não teme enfrentar Lula nas eleições presidenciais de 2022, mas voltou a defender a adoção do voto impresso em complemento ao voto eletrônico.

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Petistas acreditam que Lula será candidato à Presidência

Sérgio Roxo

Paulo Cappelli

09/03/2021

 

 

Partidos de centro-esquerda acham difícil uma aliança no primeiro turno

Dirigentes e lideranças petistas acreditam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumirá o posto de candidato do partido à Presidência depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin anulou as condenações na Lava-Jato. Partidos de centro-esquerda elogiaram a decisão, mas acham difícil uma aliança.

Aliados apostam, porém, que Lula não fará isso imediatamente, para manter o cenário eleitoral incerto para os adversários. A vaga de pré-candidato do PT vinha sendo ocupada pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que já declarou em entrevistas que se Lula se livrasse da inelegibilidade, ele é que deveria disputar o Planalto em 2022.

O senador Jaques Wagner (PT-BA) diz que as “torcidas do Flamengo e do Corinthians” querem Lula na urna.

— Eu quero que seja ele. Essa passou a ser uma decisão dele. Se quiser, não tem discussão no PT, ele será candidato.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, faz mistério sobre os planos de Lula , mas diz que o “resgate dos direitos políticos” dão a ele “outra dimensão no processo político”.

— Não discutimos 2022 hoje (ontem) com Lula. Agora é hora de comemoração. Lula sempre foi o nosso candidato, mas isso depende dele. Antes dessa decisão do STF, o que Lula falava era que queria viajar o Brasil. Sobre candidatura, não conversamos recentemente.

Secretário nacional de comunicação do partido, o ex deputado Jilmar Tattoac redita que Lula deve ser o candidato.

— Vamos continuar correndo o Brasil apresentando o nosso plano de reconstrução, tanto com o Lula como com o Haddad. O Lula agora é elegível. Só não será candidato se não quiser —diz.

Reservadamente, mais lideranças defenderam a candidatura de Lula. Além da decisão de Fachin, os dirigentes do PT se dizem animados com a pesquisa do Ipec, novo instituto da exdiretora do Ibope Márcia Cavallari, divulgada no domingo pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, que mostrou o ex-presidente com potencial de voto melhor do que o de Jair Bolsonaro. De acordo com o instituto, Lula tem ainda a menor rejeição entre os nomes testados.

Os petistas avaliam que, com a entrada de Lula na corrida presidencial, dois dos outros pré-candidatos de partidos de esquerda deixariam a disputa. Para eles, Guilherme Boulos (PSOL) e Flávio Dino (PCdoB) não enfrentariam o ex-presidente na urna. Dino, inclusive, já deu declarações nesse sentido. Na esquerda, sobraria como adversário o seu ex-ministro Ciro Gomes (PDT), que tem adotado um tom duro de críticas a Lula e ao PT.

O ex-presidente já vinha planejando começar a viajar o país após se vacinar contra a Covid-19. Aos 75 anos, Lula faz parte do grupo de risco e contraiu a doença em dezembro, mas tem respeitado a quarentena. Pelo calendário divulgado pelo governo do estado, ele poderá receber a primeira dose da vacina a partir do dia 15.

Paralelamente aos planos políticos, o PT deve insistir no julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

— Essa decisão do Fachin não pode gerar impeditivo para processar Moro. Tem gente dizendo que Fachin tomou a decisão para minimizar efeito sobre a Lava-Jato e a figura do Moro. Ser considerado incompetente é uma coisa, imparcial é outra —afirma Gleisi.

CAUTELA NA ESQUERDA

Enquanto o PDT afirma que manterá o plano original de lançar candidatura própria, o PSB reforça a necessidade de cautela, com análise de pesquisas eleitorais. No PSOL, políticos lembram que Lula ainda passará por novo julgamento e que não há como prever o resultado.

Presidente nacional do PDT, Carlos Lupi afirma que a candidatura de Ciro Gomes está mantida:

— Nada muda no primeiro turno. Teremos Lula e Ciro. No possível segundo turno contra Bolsonaro, estaremos juntos —disse Lupi.

Presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira diz que é cedo para definir se o partido caminhará com Lula, com Ciro ou se lançará candidatura própria.