O Globo, n.31991 , 09/03/2021. Sociedade, p.15

 

Para destravar auxílio

Julia Lindner

Geralda Doca

Manoel Ventura

09/03/2021

 

 

Bolsonaro admite fatiar proposta para preservar policiais do ajuste fiscal

Pressionado pela chamada bancada da bala, o presidente Jair Bolsonaro admitiu ontem a possibilidade de fatiara proposta de emenda à Constituição (PEC) que destrava o pagamento do auxílio emergencial para preservar policiais e outros profissionais de segurança de medidas de ajuste fiscal previstas no projeto, como o congelamento de salários. Segundo Bolsonaro, a concessão é necessária para que a matéria não seja rejeitada na Câmara dos Deputados. A estratégia traçada com o relator do texto, deputado Daniel Freitas (PSL-SC), permitiria retirar pontos sensíveis sem forçar uma nova análise do Senado, onde a proposta foi aprovada semana passada, o que atrasaria a liberação do benefício. Para analistas, as negociações correm o risco de abrir brechas para outras rodadas de flexibilização.

— A PEC ideal é aquela que vai ser aprovada pela Câmara. E tinha problemas ali na Câmara. Eu sou presidente, não devo interferir. Mas conversei com o relator, com o (presidente da Câmara) Arthur Lira (PP-AL)... Abancada da segurança, que tem mais ou menos 50 parlamentares, queria mudanças. Da minha parte, falei com o relator que ele poderia correr o risco de não conseguir aprovar se não mexesse em três artigos — afirmou Bolsonaro, em entrevista na entrada do Palácio da Alvorada.

Como O GLOBO revelou ontem, deputados bolsonaristas trabalharam ao longo de todo o fim de semana para relaxa refeitos fiscais da proposta e poupar policiais das mudanças. O texto, no entanto, não cita nenhuma categoria. Assim, alterara redação para especificar que as medidas de ajuste não afetarão as forças de segurança faria com que o texto voltasse ao Senado.

Para evitar esse atraso, o caminho articulado é tirar da proposta todas as citações a proibição de aumento de salários em momentos de crise. Na prática, isso reduziria o potencial de controle de gastos previstos na PEC. Além disso, deputados defendem excluir a determinação para reduzir o total dos benefícios fiscais, que deveriam ser cortados de cerca de 4% do PIB hoje para 2% em oito anos.

Também está em estudo retirar a revogação da Lei Kandir, que compensa perdas para estados exportadores. A equipe econômica defende a aprovação do texto conforme aprovada pelo Senado.

RISCO ÀS REFORMAS

Ao comentar o plano, Bolsonaro citou que seriam suprimidos três artigos da proposta, sem citar quais. Segundo ele, seria criada uma PEC paralela — ou seja, uma nova proposta com trechos excluídos do texto principal.

—Vale lembrar que essas emendas supressivas não voltam ao Senado. Essas três ficam de fora, e pode ser criada uma PEC paralela e tramitar normalmente como outra PEC qualquer —explicou.

Nos bastidores, técnicos legislativos afirmam que essa proposta poderia conter as mudanças defendidas pela bancada da bala e poderia ser votada após a promulgação da proposta principal.

O novo aceno de Bolsonaro a uma categoria de apoiadores indica que o governo fica mais suscetível a pressões que podem inviabilizar as reformas econômicas mais à frente, segundo analistas.

—O grande problema dessas concessões, além de elas atrasarem a tramitação de outros pontos importantes, é que também fazem com que o governo fique cada vez mais vulnerável. Começa a ficar mais difícil fazer políticas que tenham efetividade dentro do governo, porque a gente sabe que, na primeira pressão, Bolsonaro cede e faz o que os grupos de interesse querem — afirma a professora de economia do Insper Juliana Inhasz.

Para a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, a medida deve ter efeitos no mercado financeiro:

—Se agente já vê a Bolsa tropeçando aí pelos mais diversos fatores, esse tipo de atitude não ajuda, deixa o mercado mais volátil e mostra que a agenda liberal do Bolsonaro está muito comprometida com atitudes bastantes populistas.

A votação da proposta na Câmara está prevista para amanhã. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou a aliados no domingo que pode até aceitar um acordo pela alteração, desde que não haja uma desfiguração completa da proposta original.

Apesar das declarações de Bolsonaro, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que vai trabalhar para manter o texto da PEC aprovado pelo Senado. Ele admitiu que várias corporações estão fazendo pressão junto aos deputados para ficarem de fora das amarras fiscais da proposta, como policiais, próximos a Bolsonaro, e auditores da Receita Federal, mas considerou esses movimentos legítimos.

— Não podemos impedir que eles façam isso, mas eu vou trabalhar para manter o texto do Senado — comentou Barros, ao ser indagado sobre as declarações do presidente.

NOVO CRONOGRAMA

Barros disse ainda que o assunto será discutido na reunião de líderes, marcada para hoje de manhã. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), também afirmou a estratégia é manter o texto do Senado:

— Essa é a nossa luta. Por isso, vamos levara proposta direto para o plenário da Câmara.

O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PLAM), lembrou que Bolsonaro está repetindo o que fez na reta final da reforma da Previdência, quando quis deixar de fora das mudanças os profissionais da área de segurança.

— Isso é agir contra a responsabilidade fiscal. Criar exceções é perigoso, porque pode abrir aportei rapara outras corporações. Se mudar na Câmara, vai mudar no Senado. Temos que ter juízo e aprovar o texto aprovado pelo Senado — disse o parlamentar, que presidiu a comissão especial da reforma da Previdência.

Caso haja mudanças na Câmara e retorno do texto ao Senado, o cronograma de pagamento do auxílio emergencial deve mudar. Hoje, o plano é iniciar os repasses para beneficiários do Bolsa Família no dia 18 de março e pagar aos demais trabalhadores na última semana do mês. Com o eventual atraso, essa ordem seria invertida: o pagamento começaria no fim do mês para quem não faz parte do programa social, e os inscritos no Bolsa Família receberiam o auxílio a partir da segunda quinzena de abril.

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Valores serão de R$ 175, R$ 250 e R$ 375, diz Guedes

Manoel Ventura

Daniel Gullino

09/03/2021

 

 

Quantia vai depender da situação da família. Mães solo receberão mais

O ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou ontem os valores do auxílio emergencial que será pago este ano. De acordo como ministro, aquantiava ide pender da situação da família. Em média, o valor será de R$ 250. Mães solo receberão R$ 375; homens que moram sozinhos, R $175; e casais, R $250. O ministro não esclareceu, porém, os casos de casais com filhos.

— Esse é um valor médio (R$ 250), porque, se for uma família monoparental dirigida por uma mulher, são R$ 375. Se for um homem sozinho, são R$ 175. Se for um casal, os dois, aí já são R$ 250. Nós só fornecemos os parâmetros. A decisão da amplitude é do Ministério da Cidadania —disse Guedes, no Palácio do Planalto, sem entrar em maiores detalhes.

O governo deve pagar pelo menos quatro parcelas. A expectativa é começar a transferência dos recursos ainda neste mês. Mas, para isso, é necessário que o Congresso aprove a proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que destrava o pagamento do benefício.

DETALHES EM MP

O Senado já aprovou a proposta, e a Câmara deve analisar o texto nesta semana. A proposta não estabelece um valor do pagamento, mas fixa um limite de R$ 44 bilhões para os gastos totais com o benefício.

Os detalhes constarão de uma medida provisória (MP) a ser editada assim que a PEC for promulgada pelo Congresso. O Ministério da Cidadania publicará uma portaria no Diário Oficial da União com os detalhes do cronograma de pagamento.

Nessa nova rodada, deverão ser mantidos os mesmos critérios de renda para acessar o auxílio, de meio salário mínimo por pessoa da família (R$ 550) e de até três salários mínimos (R$ 3,3 mil). Os dois requisitos serão aplicados de forma conjunta, ou seja, uma família de apenas três pessoas com renda de até três pisos não poderá ser beneficiada.

Além disso, não terão direito ao auxílio pessoas que recebem algum tipo de benefício do governo, como aposentadoria, pensão, benefício de prestação continuada (BPC) e seguro-desemprego, além de trabalhadores com carteira assinada, servidores públicos e militares.

No ano passado, o governo pagou cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300 a um custo de cerca de R$ 300 bilhões. O benefício foi pago entre maio e dezembro.