O Globo, n.31992 , 10/03/2021. País, p.6

 

Acusações contra Lula podem prescrever em 2022

Bernardo Mello

Aguirre Talento

10/03/2021

 

 

 Recorte capturado

Segundo juristas, a contagem de prazo deve ser mantida, mesmo após a anulação das condenações pelo ministro Fachin. Com isso, cinco delitos atribuídos ao ex-presidente caducariam em dezembro do ano que vem

Acontagem do prazo para prescrição de quatro processos movidos pela Lava-Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ser mantida, de acordo com juristas, mesmo após a anulação das condenações, decidida pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, cinco dos 12 delitos atribuídos a Lula em denúncias do Ministério Público Federal (MPF) e nas sentenças proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba podem prescrever até dezembro de 2022. Em outros seis casos, já se esgotou o prazo máximo de oito anos para apresentação da denúncia, contado a partir do término da atividade criminosa investigada. Restaria uma acusação de lavagem de dinheiro na compra de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP), que prescreveria em 2024.

Crimes de corrupção ativa e passiva e de lavagem de dinheiro, imputados a Lula, prescrevem normalmente em 16 anos, de acordo com o Código Penal. No caso de réus que têm 70 anos ou mais no momento da sentença, o prazo cai pela metade. Hoje, Lula tem 75 anos. O Código Penal abre a possibilidade de que o prazo seja alargado em caso de agravantes que aumentem a pena máxima de cada crime. A análise desses agravantes caberá aos novos procuradores e ao novo juiz que assumirão os casos de Lula na Justiça Federal do Distrito Federal. Mesmo assim, o máximo previsto pela legislação, nesse caso, é de dez anos para a prescrição.

A maioria dos delitos imputados a Lula teria se desenrolado em paralelo ao primeiro mandato do petista na Presidência, encerrado em 2006, e ao primeiro governo de Dilma Rousseff, até 2014.

Para o criminalista Davi Tangerino, professor da FGV-SP e da Uerj, o fato de a maioria das acusações ter sua janela temporal delimitada nas denúncias e sentenças da primeira instância faz com que seja menos provável um prolongamento dos prazos de prescrição, amparada numa eventual lógica de “continuidade” dos crimes. O especialista também afirma que a possibilidade de prescrição ganhará ainda mais força caso o novo juiz do caso decida anular total ou parcialmente as provas colhidas pela investigação em Curitiba.

— A convalidação é o que mais vai ditar o ritmo dos processos. Se o juiz convalidar as provas, o MP ganha tempo. Mesmo assim, vale lembrar que a tese de suspeição de Moro, se for confirmada pelo STF, leva à anulação de todos os atos —disse Tangerino.

DUAS SENTENÇAS

No caso do tríplex do Guarujá, Lula foi condenado, em julho de 2017, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo a sentença, os últimos “atos criminosos” teriam ocorrido em junho e em dezembro de 2014, respectivamente. Considerando o prazo de oito anos de prescrição, os supostos delitos perdem totalmente a validade até o fim do ano que vem.

No processo do sítio de Atibaia, três delitos já não poderiam mais ser julgados: corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro pelo suposto pagamento de propina pela Odebrecht, no valor de R$ 700 mil, para reformas no local. Segundo a sentença de Moro, esses crimes prescreveriam entre maio de 2019 e janeiro de 2020. Já os supostos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo recebimento de R$ 170 mil da OAS, também através de reformas no sítio, alcançam os oito anos do prazo de prescrição em agosto de 2022.

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Petista deve deixar de lado tom eleitoral em discurso de hoje

Sérgio Roxo

10/03/2021

 

 

Para Lula, antecipar disputa ajuda Bolsonaro; foco será critica ao governo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve deixar de lado o tom eleitoral, hoje, em seu primeiro pronunciamento público após recuperar os direitos políticos em decorrência da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações contra ele na 13ª Vara Federal de Curitiba. Numa tentativa de passar uma imagem de união, o comando do PT convidou dirigentes dos demais partidos de esquerda e centro-esquerda a comparecerem ao evento na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, em São Bernardo do Campo.

Em conversas nos últimos dias, mesmo antes da decisão de Fachin, Lula vinha enfatizando que antecipar o clima eleitoral neste momento só favorece o presidente Jair Bolsonaro, que patina na condução da pandemia do novo coronavírus. Por isso, qualquer menção a uma provável candidatura do petista em 2022 está descartada neste momento.

O ex-presidente planeja, porém, nas palavras de um aliado, se colocar “como porta-voz” para denunciar os problemas que o país tem enfrentado tanto na área da Saúde como na da economia. A recuperação dos direitos políticos o faz se sentir “legitimado” para assumir esse papel, afirmam pessoas próximas.

O entendimento no entorno é que o tom mais raivoso adotado logo depois da saída da prisão, em novembro de 2019, ficou para trás e Lula terá uma preocupação maior agora de “falar para o país”.

Alguns petistas esperam que ele se coloque como um conciliador, capaz de promover a pacificação nacional e tentar assim trabalhar para vencer a resistência de setores do eleitorado ao PT.

As lideranças dos demais partidos da esquerda aguardam a linha do discurso de Lula hoje para avaliar se há chance de uma união do campo para a eleição de 2022. Entre os convidados pelo comando petista, o vicepresidente do PCdoB, Walter Sorrentino, confirmou presença. O presidente do PDT, Carlos Lupi, disse que estaria em São Bernardo se o encontro tivesse acontecido ontem, como era previsto inicialmente, mas hoje alegou já ter um compromisso marcado anteriormente.

Candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo no ano passado, Guilherme Boulos tentava até a noite de ontem desmarcar um compromisso para comparecer. Carlos Siqueira, presidente do PSB, tem evitado viagens por causa da pandemia e não deixa Brasília desde março do ano passado.

APROXIMAÇÃO COM PSB

A liberação de Lula para disputar a eleição presidencial de 2022 pode reaproximar o PSB do PT no plano nacional. As duas legendas estavam afastadas desde 2019 e uma aliança caso Fernando Haddad fosse o candidato petista era descartada.

Agora, nas palavras de um deputado, a presença de Lula será levada à mesa nas discussões internas sobre os rumos para 2022. A busca de um outsider, como o apresentador Luciano Huck e a empresária Luiza Trajano, continua a ser considerada.

Diminuem, porém, as chances de uma união com Ciro Gomes (PDT). Na última eleição municipal, PSB e PDT fizeram alianças em oito capitais e havia expectativa de manter o pacto. A avaliação de um parlamentar é que o espaço de Ciro fica “muito imprensado” caso Lula seja mesmo candidato.

Em Pernambuco, estado hoje governado pelo PSB e cuja manutenção do comando é considerada vital pela sigla, uma possível aliança com Lula é vista como forma de ajudar a impulsionar a candidatura do ex-prefeito de Recife Geraldo Júlio. O ex-presidente nasceu em Garanhuns e tem força no interior do estado.

—Temos mais de um ano pela frente para decidir isso e um ano na política brasileira é uma verdadeira eternidade. Mas, pelo que apurei, minha tese de uma frente ampla que possa agregar as forças políticas, econômicas e sociais mais amplas, é a mais apoiada dentro do PSB — disse Siqueira, ao ser indagada sobre uma possível aliança com o PT.