O Globo, n.31992 , 10/03/2021. País, p.8

 

Com Lula de volta ao páreo, Bolsonaro retoma negociação com o PSL

Paulo Cappelli

Jussara Soares

10/03/2021

 

 

Presidente reforçará discurso antiesquerda e agora avalia que precisará disputar eleição por partido com mais recursos

Após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva elegível para o ano que vem, o presidente Jair Bolsonaro retomou negociação para se refiliar ao PSL, partido pelo qual disputou o pleito em 2018 e com o qual rompeu um ano depois. A avaliação é que a entrada de Lula no páreo tornará mais acirrada a disputa no primeiro turno e, nessas circunstâncias, tempo de televisão e fundo partidário ganham mais relevância. O presidente recebeu, na segunda-feira, integrantes do PSL no Palácio da Alvorada.

A avaliação entre os aliados do presidente é que a decisão de Fachin tem como vantagem reidratar o discurso de Bolsonaro de que está numa cruzada contra o PT, a esquerda e a corrupção. A narrativa que o elegeu vinha perdendo a força diante do desgaste do mandato e pela crise da pandemia de Covid-19.

Embora Bolsonaro, que disputará a eleição majoritária, possa fazer coligação com outros partidos para aumentar seu tempo de TV, deputados bolsonaristas não se beneficiariam no caso de uma filiação a um partido pequeno, ficando reféns do tempo de televisão e do fundo partidário da sigla.

Com isso, caso Bolsonaro decida ir para legendas nanicas, como DC, PMN ou PMB, esses parlamentares não teriam aparições na TV nem verba para campanha. Integrantes do núcleo duro do presidente avaliam que o pedido de voto em Bolsonaro, por deputados federais e estaduais, passou a ser uma arma importante diante do cenário mais acirrado.

BOLSONARO FAZ PEDIDOS

Dirigentes do PSL ouvidos pelo GLOBO confirmaram que a possibilidade de filiação de Bolsonaro, antes “remota”, agora “é real”. Um deles argumenta que qualquer partido ficaria “lisonjeado” em receber o presidente da República e alega que as rusgas do passado, principalmente com o presidente da legenda, Luciano Bivar (PE), já foram superadas.

O PSL, contudo, não está disposto a dar a Bolsonaro o controle da executiva nacional, exigência feita a outras legendas. Os dirigentes argumentam que o presidente teria que abrir mão dessa prerrogativa em troca da estrutura partidária. Indicações para diretórios estaduais estratégicos, por sua vez, podem ser discutidas. O presidente chegou a propor uma fusão da legenda, para abrir já uma brecha para filiações, mas não houve empolgação do partido.

Outro pedido de Bolsonaro foi que o PSL tire de seus quadros desafetos, como os deputados Joice Hasselmann e Junior Bozella. Dirigentes da legenda afirmam que estão dispostos a atender a esse pleito, mas desejam afastar também bolsonaristas radicais.

Procurado pelo GLOBO, o presidente da sigla, Luciano Bivar, afirmou que a decisão cabe a “toda a bancada” e não somente à executiva.

— Certamente é algo que leva um tempo de maturação e convencimento. Não acredito que o presidente, como legítimo e favorito candidato à reeleição, tenha tempo para esperar a decisão do PSL, quando muitos outros partidos se oferecem para abrigá-lo —disse.

Integrantes da ala bolsonarista do partido avaliam que Lula pode aparecer na frente de Bolsonaro nas pesquisas. Argumentam que há no ar um ambiente de perdão ao petista, para muitos vítima de injustiça, e que, além de patinar no cenário econômico, Bolsonaro errou na condução da pandemia.

DISCURSO REFORÇADO

O presidente, por sua vez, viu na decisão a chance de sair do foco das críticas e atacar. Aliados avaliam que a elegibilidade de Lula dá uma cara ao “inimigo” e reforça o discurso de que a “ameaça comunista” está viva, o que entusiasma a militância.

Ontem, a estratégia de reforçar o discurso contra o PT já começou a ser colocada em prática. Sem mencionar a decisão de Fachin ou Lula, Bolsonaro publicou nas redes sociais: “Ninguém vence uma maratona se não estiver preparado. Aos que teimam em desunir lembre-se que existe algo a perder mais que a própria vida: a liberdade”. As frases foram acompanhadas de um vídeo antigo, gravado em dezembro de 2019 em Palmas (TO), em que o presidente inicia o discurso dizendo que não “é fácil assumir o Brasil com uma crise ética, moral e econômica”.

Para um integrante do governo, a elegibilidade de Lula é, para o bolsonarismo, a volta da figura do “vilão” ao jogo político e gera o “sentimento de injustiça na população”. Para um interlocutor do Planalto que acompanha as tratativas sobre reeleição em 2022, Bolsonaro se beneficia porque Lula também “divide a esquerda e oxigena a narrativa da direita”, além de a polarização ser benéfica por reduzir o espaço para uma candidatura alternativa.

Em paralelo, o presidente vai fazer uma pequena inflexão em seus discursos sobre a pandemia. A estratégia agora é destacar a compra de vacinas e tentar emplacar que o governo federal não teria se omitido no tema, apesar dos seguidos atrasos no cronograma de imunização.