Título: Brasil deve desbravar caminhos
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 08/12/2008, País, p. A4

Crise global

Mangabeira diz que há pobreza de idéias e defende uma nova aliança com Estados Unidos

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA

O ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger pode ser criticado por gerar polêmica, mas não por deixar de formular idéias. Exercendo o papel de pensador num governo marcado por contradições ideológicas e pragmáticas, o ministro já irritou o presidente Lula _ por escrever um artigo afirmando que este era um dos governos mais corruptos da história _, agradou militares ao forçar o debate sobre a necessidade de rediscutir o papel das Forças Armadas com um dos organizadores do novo plano de defesa, provocou ambientalistas com o Plano Amazônia Sustentável (PAS) e, nos últimos dias, deixou o próprio governo numa saia justa ao propor a criação de um órgão de regularização fundiária que, no mínimo, usurparia funções que hoje pertencem ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O ministro de Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, a quem o Incra é subordinado, não gostou e disse que a posição de Mangabeira Unger é individual e atrapalha a regularização fundiária e o PAS. O ministro da SAE não está preocupado com as reações. Seu objetivo é formular, gerar contraponto e estimular o debate, como se fosse uma espécie de grilo falante de um segmento pouco habituado ao debate de idéias.

Sua mais nova polêmica é estimular a área econômica do governo a colocar o Brasil como vanguarda no cenário mundial. Ele acha que a crise internacional, a eleição de Barak Oabama e a busca de um projeto americano alternativo ao esgotamento da era Roosevelt, colocam o país em posição privilegiada no novo cenário e, dentro de algumas regras, o parceiro ideal dos Estados Unidos na busca por alternativas à crise.

¿ O Brasil deve desbravar novos caminhos e não trilhar os referendados por outros países ¿ diz o ministro ao propor um plano à crise e uma parceria com os Estados Unidos. Ele diz que os dois países são parecidos em tamanho, têm a mesma matriz européia de povoamento, colonização fundamentada na mão de obra escrava africana e na maneira de acreditar que tudo é possível. Segundo ele, Brasil e Estados Unidos podem utilizar essa semelhança para construir, em conjunto, um projeto voltado para alternativas econômicas e educacionais.

¿ Somos iguais até nas desigualdades. Os Estados Unidos, dos países ricos, enquanto o Brasil, o mais desigual dos grandes em desenvolvimento ¿ diz o ministro. Ele sugere uma parceria em pelo menos três questões básicas que afetam igualmente os dois países: as alternativas de energia renovável, transformando os agrocombustíveis em commodities e mobilizando o potencial da biomassa até que se desenvolvam técnicas de melhor aproveitamento da energia solar; o estímulo a empreendimentos emergentes onde o sistema financeiro seja canalizado para apoiar a produção, facilitando o acesso ao capital e investindo na qualificação tecnológica; e, a criação de um sistema educacional de padrão mínimo universal, com foco no ensino médio, técnico e baseado na análise geral e aritmética.

Mangabeira Unger acha que "a vantagem das desvantagens" em relação aos Estados Unidos, é que o Brasil não tem os problemas que originaram a crise mundial. Aqui, até onde é possível enxergar, não existem grandes problemas no mercado imobiliário e nem se utilizou de engenharia para alavancar outros produtos financeiros, como fizeram os americanos com as hipotecas subprimes.

¿ Nossa tradição é de andar a reboque dos acontecimentos e, sobretudo, dos debates. O Brasil deve ocupar papel de liderança na construção das soluções para a crise mundial. Integra o G-20 e é reconhecido como um dos mais importantes, um dos menos afetados pela crise e é um país que não tem inimigos. É visto universalmente com simpatia. Pode dar uma contribuição ao debate mundial ¿ diz o ministro.

Otimista, diz que a crise gerou condições favoráveis. ¿ Temos a imensa oportunidade de aproveitar essa crise para tornar a economia de mercado mais ampliadora de oportunidades e reorientar a globalização, construindo instituições mais hospitaleiras às alternativas, as divergências e ao experimento ¿ afirma.