Título: Um novo elo entre capital e economia real
Autor: Quadros, Vasconcelo
Fonte: Jornal do Brasil, 08/12/2008, País, p. A4

Crise global

Mangabeira propõe novo fundo mundial à produção

Vasconcelo Quadros

BRASÍLIA

O ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, quer que o Brasil deixe de andar a reboque dos países desenvolvidos e se imponha como protagonista de um projeto alternativo à crise que corrói as economias mundiais. Formulador da proposta que o governo deverá encaminhar, o ministro diz que as alternativas passam pela reorganização do mercado financeiro e a reorientação da globalização.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, o ministro afirma que na nova ordem devem entrar temas como a correção dos desequilíbrios estruturais entre os países deficitários e superavitários em poupança e comércio, a criação de novos mercados de consumo em massa (nos países com excesso de poupança e exportação comercial), uma única regra de regulação do sistema financeiro global, um novo tributo sobre o gasto pessoal em países carentes de poupança interna e a criação de um fundo mundial para estimular as atividades de pequenas e médias empresas ou novos investimentos.

Mangabeira Unger critica a "pobreza de idéias" no G-20, lamentando que o debate mundial esteja centrado apenas em propostas como a regulação do mercado financeiro e aplicação de medidas fiscais e monetárias expansionistas.

A medida mais importante, na avaliação do ministro ¿ e que ainda não entrou nas discussões ¿ é a criação de instituições que "afirmem e estreitem" as relações entre os sistemas financeiro e produtivo. Embora seja contrário à criação de um banco central mundial, Mangabeira Unger não fala em uma ruptura no sistema financeiro atual, mas cita como modelo fascinante a iniciativa do governo americano, no século 19: a dissolução dos grandes bancos nacionais para criar instituições locais, descentralizando o sistema financeiro e, ao mesmo tempo, permitindo aos setores pequenos e médios da economia acesso ao crédito.

Novo modelo

Segundo ele, intuitivamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem pondo o dedo na ferida quando fala da necessidade mundial de reorganizar finanças e produção ¿ na sexta-feira ele chegou a sugerir que o brasileiro continue comprando para evitar o desaquecimento da economia. Mangabeira Unger acha que o motor propulsor de um novo modelo de desenvolvimento deve ser um novo fundo mundial, que seria criado com dinheiro da previdência entesourado em cada país. Esse dinheiro, diz ele, seria usado para financiar a produção "emergente e inovadora".

Na análise de Mangabeira Unger, o modelo americano se exauriu, em boa parte por causa da engenharia financeira que acabou contaminando o setor produtivo. Ele cita como exemplo, as hipotecas subprimes, dadas como garantia de financiamentos imobiliários distribuídos em larga escala a quem não tinha como pagar. Em cima das hipotecas, lembra o ministro, foram se sobrepondo camadas e mais camadas de outros produtos financeiros, até gerar a bolha que causou a crise internacional. O ministro sugere o fim da dualidade de regras na regulação da engenharia financeira como uma das alternativas de reduzir riscos no mercado financeiro.

¿ Em vez de reduzir, a engenharia ampliou os riscos no mercado. Foi como se num cassino, em vez de criar regras, se dobrasse as apostas ¿ diz.

Dentro da proposta de correção dos desequilíbrios, seu modelo de comparação envolve, de um lado, os Estados Unidos (carente de poupança) e, de outro, a China onde a população guarda algo em torno de 40% do dinheiro. Os dois países estão em posições opostas também no quesito exportação. Para a China, ele sugere a criação de um mercado de massa para consumir parte dos produtos que o país exporta. Já os americanos, na sua opinião, devem melhorar o nível de poupança. Aos países deficitários, ele sugere a inibição do consumo, taxando o gasto pessoal e zerando as alíquotas de impostos sobre investimentos. A medida de controle, segundo o ministro, poderia ser um imposto agregado ao IVA para tributar fortemente o consumo e, a longo prazo, substituir o Imposto de Renda sobre Pessoa Física.