O Globo, n.31993 , 11/03/2021. País, p.4

 

Ação e reação

Dimitrius Dantas

Guilherme Caetano

Sérgio Roxo

Daniel Gullino

Jussara Soares

Julia Lindner

11/03/2021

 

 

Lula ataca Bolsonaro por falhas na pandemia e presidente passa a defender vacinação

Em seu primeiro pronunciamento após ter se tornado elegível novamente, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva se colocou ontem como um contraponto a Jair Bolsonaro e escolheu a condução do combate à pandemia como o principal alvo de ataque ao presidente. O efeito foi imediato. Em uma mudança de postura, Bolsonaro, usando máscara, sancionou projetos que facilitam a compra de imunizantes e chegou a justificar o lockdown adotado por estados e municípios no ano passado.

Filhos do presidente, o senador Flávio e o vereador Carlos foram para as redes sociais negar que Bolsonaro tenha sido contra vacinar a população. Menos de três horas depois de indicar uma mudança de tom, porém, Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social no dia em que o país teve mais um recorde de mortes causadas pelo novo coronavírus.

Em discurso na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP), seu berço político, Lula defendeu medidas para evitar a propagação do novo coronavírus, como uso de máscara e de álcool em gel, e pediu para que a população não siga nenhuma “decisão imbecil” do presidente e do ministro da Saúde. Ele destacou que, por ter 75 anos, tomará a primeira dose da vacina contra a Covid-19 na próxima semana:

—Não me importa de que país, não me importa se é duas ou uma e quero fazer propaganda para o povo brasileiro. Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina porque a vacina é uma das coisas que podem livrar você do Covid. Mas não ache que pode tomar vacina e já tirar camisa, ir para o boteco pedir uma cerveja gelada e ficar conversando. Não. Precisa continuar fazendo o isolamento e continuar usando máscara e álcool gel. Pelo amor de Deus.

Ao escolher como tema central de seu discurso o combate ao novo coronavírus, no momento mais letal da pandemia no Brasil, o expresidente mirou em um assunto que aflige toda a população e tende a angariar a simpatia das pessoas independentemente de preferências partidárias. Ele manifestou solidariedade às vítimas do coronavírus e aos profissionais da Saúde.

O petista também criticou um dos pilares do governo Bolsonaro, a política de incentivo às armas, e disse que a população precisa é de vacina, e não de armamento.

— Quem está precisando de armas é a nossa polícia, que sai para a rua para combater a violência com um revólver (calibre) 38 velho, todo enferrujado. Não são os fazendeiros que precisam de armas para matar sem-terra ou pequenos proprietários. Não são milicianos que precisam de armas para fazer terrorismo na periferia desse país, para matar meninos e meninas, sobretudo meninas e meninos negros — afirmou ele, que falou por quase duas horas e meia, somando o pronunciamento com uma entrevista coletiva dada na sequência.

OUTRO BOLSONARO

Depois de desestimular a população a se vacinar e a usar máscara, provocar aglomerações e atacar medidas de isolamento social, Bolsonaro adotou ontem, em solenidade no Palácio do Planalto, postura oposta.

Usando máscara, ele sancionou três projetos que facilitam a compra de imunizantes. Um deles autoriza União, estados e municípios a assumirem responsabilidades por eventuais efeitos colaterais das vacinas. O texto também dá aval, com restrições, a compra de imunizantes pelo setor privado.

Na prática, a proposta viabiliza a entrada no mercado brasileiro das vacinas da Pfizer e pressiona a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a aprovar produtos de outros laboratórios, como a Janssen e a Sputnik V.

Bolsonaro sancionou ainda uma medida provisória que estabelece um prazo de sete dias úteis para a Anvisa analisar pedidos de registro emergencial de imunizantes.

O presidente afirmou que “o Brasil está fazendo a sua parte e o governo tem mostrado o seu trabalho”. Em seguida, defendeu a vacinação e lembrou que a sua mãe, Olinda, recebeu as duas doses do imunizante:

— Já foram entregues vacinas para 100% dos idosos acima dos 85 anos, entre eles a minha mãe, com 93 anos de idade. Até o final do ano, teremos mais de 400 milhões de doses disponíveis aos brasileiros.

Ele não citou que Olinda foi vacinada com a CoronaVac, a qual ele já criticou e se referiu no passado como “vacina chinesa do João Doria”.

Em fevereiro, durante transmissão nas redes sociais, Bolsonaro disse que sua mãe havia recebido a primeira dose da vacina AstraZeneca/Oxford, principal aposta do Plano Nacional de Imunização. A CoronaVac, por sua vez, veio ao país com o apoio do governo paulista de João Doria (PSDB), seu adversário político.

Em outubro do ano passado, Bolsonaro disse que o governo não obrigaria os brasileiros a tomarem a vacina contra o novo coronavírus:

—O meu ministro da Saúde já disse que não será obrigatória essa vacina e ponto final.

Em outra mudança de atitude, Bolsonaro evitou na solenidade de ontem as críticas que costuma fazer ao lockdown e chegou a afirmar que a medida foi adotada no ano passado para dar tempo de preparar os hospitais para atender a população.

— Fomos e somos incansáveis desde o primeiro momento na luta contra a pandemia. Desde o início, do resgate de brasileiros que estavam em Wuhan, fomos um exemplo para o mundo. Várias medidas tomamos em 2020. A política de lockdown adotada no passado, o isolamento, o confinamento, visava tão somente a dar tempo para que os hospitais fossem aparelhados com leitos de UTI e respiradores.

Em outra frente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) fez um pedido aos seus seguidores em uma lista de transmissão do aplicativo de mensagens Telegram: viralizar uma foto de Bolsonaro com o texto “nossa arma é a vacina”.

Na mesma linha, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos) divulgou um vídeo com trechos de falas de Bolsonaro para negar que o presidente já tenha sido contra a vacinação. Segundo ele, o pai “nunca foi contra vacina como dizem os canalhas”.

Pouco depois do evento no Planalto, Bolsonaro respondeu ao ex-presidente Lula com ataques aos governadores do PT e ao lockdown:

—Não faltou recurso. O governo federal fez a sua parte até demais. Então, não justifica essa crítica do ex-presidente Lula, que agora inicia uma campanha. E como não tem nada para mostrar de bom, a campanha é baseada em criticar, mentir e desinformar. Nada mais além disso — afirmou o presidente, em frente ao Palácio da Alvorada.