O Globo, n.31994 , 12/03/2021. País, p.4

 

Reforço das bases

Daniel Gullino

Julia Lindner

Jussara Soares

12/03/2021

 

 

Com pico de mortes e volta de Lula, Bolsonaro faz acenos a aliados já de olho em 2022

Pressionado pelo agravamento da pandemia da Covid-19 e pela repercussão da volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao jogo político, o presidente Jair Bolsonaro faz movimentos para consolidar grupos que apoiam o governo. Ele forçou alterações na chamada P EC permitira promoção de servidores, incluindo policiais; adotou a defesa da vacinação em massa, prioridade estabelecida pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao assumirem as casas; e oficializou a demissão de Fabio Wajngarten da Secretaria de Comunicação, que tinha entrado em rota de colisão com militares e com o ministro Fábio Faria. Seu substituto será o almirante Flávio Rocha.

Já de olho em 2022, o presidente confirmou ontem em sua live semanal que abriu conversas para uma volta ao PSL. Como O GLOBO mostrou, Bolsonaro, que também cogitava ingressar e assumir o comando de uma sigla nanica, passou a considerar que precisa de um partido com mais recursos financeiros. O PS L, junto do PT, tema maior fatia do fundo eleitoral, por serem as maiores bancadas da Câmara.

Auxiliares do Planalto afirmam que a mudança de postura sobre vacina já vinha sendo discutida antes mesmo da decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal( STF ), que deu de Lu laos seus direitos políticos, mas reconhecem que uma defesa enfática da imunização é um antídoto ideal para conter o desgaste e diminuir o impacto das críticas da oposição ao enfrentamento da pandemia.

Um integrante do alto escalão do Planalto relatou ao GLOBO que, antes de dar o aval para colocar em prática a “operação vacina”, Bolsonaro recebeu uma avaliação do monitoramento de suas redes sociais que indicavam que os seguidores, neste momento, clamavam mais por vacina do que por emprego. O presidente também passou a reforçar que anovava r ian teém aisle tale, portanto, concordou a adotar um “meio-termo”, dizendo que o investimento na imunização éo suficiente param antera economia funcionando.

Coma aprovação da P EC que autoriza a retomada dop agamento do auxílio emergencial, Bolso na roa posta que sua popularidade crescerá entre eleitores de renda mais baixa e em regiões mais pobres do país, onde historicamente Lula tem melhor desempenho. O esforço para manter a promoção de servidores, incluindo policiais e militares, é outro movimento para evitar uma debandada de sua base de apoio. Bolsonaro minimizou as modificações no texto.

— Estamos olhando on-line a votação da Câmara. Parece que algumas emendas foram acolhidas. Eu fiquei 28 anos dentro da Câmara, sei como funciona lá. Então, nós temos que ter vitórias e, às vezes, a gente não pode ganhar de três a zero, quatro a zero, cinco a zero... Se ganhar de dois a um é uma vitória —declarou Bolsonaro durante encontro virtual da Frente Parlamentar da Micro e Pequena Empresa de 2021.

O presidente oficializou, com publicação no Diário Oficial da União de ontem, a demissão do secretário especial de Comunicação, Fabio Wajngarten.

Definida há duas semanas, a troca agrada ao ministro das Comunicações, Fábio Faria, e aos militares que colecionavam atritos com o então secretário, considerado de perfil mais “explosivo”. Wajngarten recusou a oferta de três postos no governo, incluindo o de assessor do Ministério do Meio Ambiente. Antes de sair, o ex-secretário integrou a comitiva que esteve em Israel para firmar acordos para testes do spray nasal contra Covid-19 no Brasil.

A Secom será comandada interinamente pelo secretário de Assuntos Estratégicos, o almirante Flávio Rocha, apontado como um conciliador no governo. A substituição é vista internamente com otimismo para buscar uma comunicação menos conflituosa do que na gestão de Wajngarten. Um ano antes da eleição e com a polarização antecipada com Lula, há um consenso interno que é preciso escolher as brigas e apostar mais na divulgação das ações do Executivo.

DIÁLOGO COM O PSL

Em transmissão ao vivo em suas redes sociais, o presidente admitiu que retomou as conversas com o PSL, seu antigo partido, para discuti ruma possível filiação até o fim do mês. Oche fedo Executivo destacou que só vai decidir após ouvir parte dos integrantes do PSL. Segundo ele, há uma “meia dúzia” de pessoas na legenda com quem ele não quer conversar porque “destruíram todas as pontes” de diálogo:

—E eu quero tomara decisão depois de ouvir vocês (apoiadores), ou melhor, a grande maioria de vocês, porque tem meia dúzia lá que não dá para conversar, que destruíram todas as pontes ao longo dos últimos anos em causa própria, mas tudo bem. Então, eu espero brevemente decidir essa questão partidária.

Como mostrou O GLOBO, após o ministro Fachin anular as condenações de Lula, o que o tornou elegível em 2022, o presidente retomou negociação para se filiar ao PSL, partido pelo qual disputou o pleito em 2018, mas do qual saiu brigado um ano depois. A avaliação é que a entrada de Lula no páreo tornará mais acirrada a disputa no primeiro turno e, nessas circunstâncias, tempo de televisão efundo partidário ganham mais relevância.

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Volta de Lula abala apoio a presidente no baixo clero

Natália Portinari

12/03/2021

 

 

Deputados de siglas do centrão, especialmente de bancadas do Nordeste, temem se posicionar contra o ex-presidente em suas cidades na eleição

Dirigentes partidários aliados de Jair Bolso na roa valiam publicamente que a anulação das condenações doexp residente Lula pode ser encarada co mouma boa notícia. Como fortalecimento da polarização entre os dois em 2022, esperam vantagem para o atual titular do Planalto. Mas o sentimento que predomina no baixo clero do Congresso, especialmente nas bancadas do Nordeste, é diferente.

Deputados ouvidos pelo GLOBO temem que ficar contra Lula em regiões onde o petista é mais forte seja um suicídio eleitoral no ano que vem. Mesmo se o ex-presidente não conseguir voltar ao Planalto, deputados preveem que seu apoio será importante na tentativa dos próprios parlamentares de se reelegerem para o Congresso Nacional, como um relevante cabo eleitoral.

O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) disse que teve acesso a pesquisas recentes em que Lula tem 72% de intenção de voto na sua base eleitoral, no Maranhão. Para ele, a partir de julho do ano que vem, Bolsonaro poderá ter menos apelo eleitoral para os deputados do que Lula, que deve articular alianças com prefeitos e candidatos nos estados:

— Sendo candidato, Lula consegue neutralizar alguns deputados sem dúvida alguma lá no Maranhão. Inclusive aliados do Bolsonaro.

O discurso de Lula anteontem, quando fez duras críticas ao governo, foi interpretado como impactante até entre líderes do Centrão. Ciro Nogueira (PI), presidente do PP, avaliou que Lula está “em forma”. Na quarta-feira, em entrevista ao GLOBO, o senador afirmou que conduzirá o PP a apoiar Bolsonaro nas eleições de 2022 e reforçou seu apoio ao governo.

ARRANJOS LOCAIS

A expectativa dos deputados das bancadas do Nordeste é que o Centrão vai continuar integrando a base do governo, demonstrando fidelidade em votações. À medida em que a eleição se aproximar, porém, colar na imagem de Bolsonaro poderá ser menos desejável para quem busca a reeleição em redutos onde Lula e o PT ainda são mais fortes.

A volta do ex-presidente ao páreo, na avaliação de parlamentares, já deve produzir consequências mais a curto prazo. Primeiro, trazer novamente o PT ao jogo das conversas sobre eventuais alianças. Também deve aumentar, nessa visão, a pressão para que Bolsonaro crie um programa para substituir o Bolsa Família, medida que pode aumentar sua popularidade em estados do Nordeste onde Lula ainda tem força.

— Criando um programa de transferência de renda para chamar de seu, Bolsonaro vai disputar de igual para igual — avalia Eduardo da Fonte (PP-PE).

No Ceará, a avaliação é de que Camilo Santana, governador petista, não conseguirá se manter “em cima do muro” entre o PT e Ciro Gomes, como fez na eleição de 2018. Deputados bolsonaristas devem ficar neutros no primeiro turno para não desagradar o clã Ferreira Gomes, que tem força no estado, nem se desgastar coma associação a Bolson aro.

Ressoaram entre os cearenses as críticas feitas por Lula a Ciro em seu discurso. O expresidente disse que o pedetista se enxerga como “professor de Deus ”.“Nãoé possível alguém passara ideia de queé tão inteligente, de que lê tanto, eteras atitudes ignorantes que ele tem”, afirmou. No estado, a polarização deve ser entre Ciro e Lula em 2022.

Pedro Cunha Lima (PSDBPB) diz que, na Paraíba, a decisão que tornou Lula elegível diminui muito a chance de terceira via defendida por ele.

— Eu já conversei com alguns prefeitos do sertão, e nesses municípios não tem nem graça. Lula vai tomar conta de tudo, sobretudo com esse cenário do fim do auxílio. Para quem quer construir uma terceira via, praticamente não tem mais espaço —comenta o deputado.

Para o tucano, a esperança do centro é se unir em torno de um único nome, mostrando um projeto político unificado.

Embora uma aliança com siglas de centro-direita não esteja no horizonte, petistas esperam que em 2022 possam angariar apoio de lideranças regionais no Nordeste. Os governadores de Alagoas, Renan Filho (MDB), e do Pará, Helder Barbalho (MDB), são citados como nomes com bom diálogo com o PT.