Correio Braziliense, n.21117 , 19/03/2021. Política, p.4

 

LSN para intimidar opositores

Renato Souza

19/03/2021

 

 

PODER » Lei de Segurança Nacional vem sendo usada para conter críticas a Bolsonaro. Um sociólogo em Palmas e o youtuber Felipe Neto foram enquadrados nela. E a PM prende manifestantes que chamavam presidente de "genocida" na Esplanada

Uma série de investigações contra opositores e pessoas que se manifestam contrariamente ao governo Bolsonaro estão sendo abertas com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), promulgada em 1983 e que vigora até hoje. O influencer Felipe Neto é uma das mais recentes vítimas da mão pesada da LSN: por conta de críticas que fez ao presidente da República, tornou-se alvo de uma investigação aberta pela Polícia Civil do Rio de Janeiro — mas suspensa ontem pela Justiça, mesmo dia em que cinco manifestantes foram detidos por policiais militares, em Brasília, por um protesto contra Bolsonaro na Praça dos Três Poderes.

A suspensão do inquérito contra o youtuber ocorreu em caráter liminar pouco antes de ele prestar depoimento. A diligência foi iniciada a pedido do vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho 02 do presidente. O parlamentar acusou Felipe de crime por ter chamado o presidente "genocida", em razão da condução do governo num momento em que a pandemia de covid-19 matou, até ontem, 287.499 pessoas, segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). As diligências tiveram como base um dos artigos da LSN, que criminaliza difamação contra o presidente da República. O delegado Pablo Sartori, da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, iniciou as investigações mesmo com a legislação determinando que crimes contra a segurança nacional são de competência da Polícia Federal.

Em reação, Felipe está organizando uma frente de advogados para defender gratuitamente todos aqueles que forem investigados ou processados por se manifestarem contrariamente a Bolsonaro. O grupo, batizado "Cala a Boca Já Morreu", será integrado por alguns dos mais respeitados especialistas em liberdade de expressão e enquadramentos na LSN.

O uso da lei da ditadura também atingiu o sociólogo Tiago Costa Rodrigues, de 36 anos, e o microempresário Roberval Ferreira de Jesus, de 58, moradores de Palmas. O motivo: os outdoors espalhados pela capital do Tocantins com críticas ao presidente, que, conforme o texto da publicidade, "não vale um pequi roído". Tiago pagou pelas peças e Roberval apenas alugou o espaço de divulgação.

Suástica

Em Brasília, a PM prendeu cinco manifestantes que protestavam contra Bolsonaro. De acordo com nota da corporação, os manifestantes portavam um cartaz, com uma suástica, em alusão ao presidente — que o classificava como "genocida". O grupo foi encaminhado à Polícia Federal, e quatro deles ficaram no local por quatro horas. No entanto, a delegada que atendeu o caso não viu crime no ato e entendeu que não existe situação para ser enquadrada na LSN.

A deputada federal Natália Bonavides (PT-RN), que é advogada, atendeu os manifestantes e criticou o uso indiscriminado da LSN. "Estamos analisando medidas concretas para combater o avanço autoritário que utiliza esse entulho da ditadura. A utilização dessa lei para prender manifestantes demonstra como a conivência com a barbárie precisa ser enfrentada", disse a parlamentar.