O Globo, n. 31986, 04/03/2021. País, p.6

 

 

Renda de Flávio é menor que o piso do BRB para financiamento .

 

 

Namorada do empresário que vendeu mansão trabalhou com ministro Noronha no STJ

 

AGUIRRE TALENTO E PAULO CAPPELLI

opais@oglobo.com.br

 

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) conseguiu obter um financiamento de R$ 3,1 milhões do Banco de Brasília (BRB) para a compra de uma mansão mesmo tendo apresentado uma renda familiar inferior à exigida pela própria instituição financeira. Documentos do registro do negócio em cartório e simulações no próprio BRB indicam que o financiamento concedido ao senador está fora dos parâmetros do banco.

No cartório, está registrado que Flávio tem renda mensal de R$ 28.307,68 e que a de sua mulher, a dentista Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, é de R$ 8.650. Somados, os valores correspondem a R$ 36.957,68.

Simulações feitas no BRB apontam que a renda mensal mínima líquida para obter um financiamento de R$ 3,1 milhões é de R$ 46.847,35. Por esse critério, os rendimentos da família de Flávio estão cerca de R$ 10 mil abaixo do exigido pelo banco.

O valor da parcela do financiamento, segundo consta no documento de cartório, é de R$ 18 mil, o equivalente à metade do rendimento familiar, ou cer cade 50%. A regra usada pelas instituições financeiras para definir se é seguro conceder o financiam en toé que o valor da parcela não pode ultrapassar 30% da renda familiar. Isso tem um critério lógico: se aquela prestação onera muito o orçamento familiar, é mais provável o risco de calote.

Questionado pelo GLOBO sobre quem autorizou o financiamento e sob quais critérios, o banco respondeu, por nota, que não comenta casos específicos por questões de sigilo bancário:

“O BRB informa que não discute casos de clientes específicos em função do sigilo bancário. Todas as operações de crédito imobiliário no banco são submetidas a avaliação e consideram renda individual ou composição de renda, seguindo práticas no mercado brasileiro”.

A assessoria do senador não respondeu.

 

NO CONSELHO DE ÉTICA

O Jornal Nacional, da TV Globo, revelou ontem que o vendedor da mansão, o empresário Juscelino Sarkis, é namorado da juíza Claudia Silva de Andrade, que assessorou o ministro João Otávio de Noronha enquanto ele ocupou a presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cláudia atua na Justiça de Goiás e esteve na equipe de assistentes designada para trabalhar com Noronha em Brasília entre 2018 e 2020.

Na semana passada, em julgamento da Quinta Turma do STJ, Noronha votou pela anulação da quebra de sigilo fiscal e bancário de Flávio no caso da “rachadinha”. Procurado pelo JN, Noronha afirmou que não tem conhecimento sobre a negociação do imóvel e que Cláudia não trabalhou em nenhum caso relacionado a Flávio Bolsonaro. Sarkis, em nota, disse que o negócio foi feito por corretores, sem que ele conhecesse previamente o comprador e sem o envolvimento da namorada.

No Senado, partidos de oposição pediram ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-AP), e ao presidente do Conselho de Ética, Jayme Campos (DEMMT), que o colegiado abrisse um processo contra Flávio. Campos afirmou não ver motivo para uma ação:

— A mera compra de uma mansão não é pauta para Conselho de Ética. Se há alguma irregularidade nisso, cabe à Receita Federal apurar, não ao órgão do Senado.

A compra da mansão reforçou o pedido de abertura de processo contra Flávio por quebra de decoro protocolado em 2019 por PT, PSOL e Rede, devido à denúncia feita pelo Ministério Público do Rio, que aponta participação do senador no caso conhecido como “rachadinha”, quando ele era deputado estadual na Alerj.

Com relação a essa denúncia, Campos disse que enviou toda a documentação para a Advocacia-Geral do Senado, queéoór gã oque deves e manifestar sobre o assunto:

— Por conta da pandemia e da resolução de número 7 do Senado, os trabalhos acabaram sendo prejudicados e, até hoje, não recebi nenhum retorno sobre esse assunto. Só posso tomar providências quando receber essa manifestação.