O Globo, n. 31986, 04/03/2021. Economia, p.15

 

 

PIB recua 4,1% em 2020

 

 

País tem 39 pior resultado desde 1981, e previsão é de queda no lº tri  deste ano

 

CAROLINA NALIN, JOÃO SORIMA NETO, IVAN MARTÍNEZ-VARGAS E DANIEL GULLINO

economia@oglobo.com.br

 

A economia brasileira registrou em 2020 sua mais profunda recessão em 30 anos e a terceira maior desde os anos 1980. Com a pandemia do coronavírus, o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) recuou 4,1%, informou ontem o IBGE. Foi o pior resultado desde 1990, ano do confisco dos recursos dos brasileiros pelo presidente Fernando Collor de Mello, quando o PIB desabou 4,35%. Antes disso, o momento mais crítico havia ocorrido em 1981 (-4,25%), em plena crise da dívida externa.

A série histórica do IBGE começa em 1996, mas uma compilação de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com o desempenho da economia desde o início do século passado permite comparar o resultado de 2020 com outros momentos de recessão no passado, como 1990 e 1981.

O ano de 2020 também encerraum período marcado por um desempenho econômico pior do que o dos anos 1980, que ficaram conhecidos como a década perdida, na qual a estagnação e a hiperinflação fizeram parte do cotidiano dos brasileiros. Segundo dados da Fundação Getulio Vargas, a economia brasileira cresceu em média 1,6% entre 1981 e 1990. Na década passada, o crescimento médio foi bem menor: 0,3%, no pior resultado em 120 anos.

O desempenho do PIB no ano passado veio em linha com as expectativas de mercado, que projetava queda de 4,2%. No quarto trimestre, o resultado até superou as previsões, com alta de 3,2% na comparação com os três meses anteriores. Mas, segundo analistas, a variação positiva foi só um respiro na crise, e a previsão é que o início de 2021 seja de novos resultados negativos, diante do agravamento da pandemia no Brasil.

Além de um tombo de proporções históricas, a crise de 2020 trouxe uma quebra estrutural de parâmetros, avaliam os economistas. Por exemplo, para conter a disseminação da doença foi preciso sufocar o setor de serviços — que depende do contato entre pessoas. A queda foi tão grande que a fatia do setor no PIB encolheu de 73,5% para 72,8% em apenas um ano.

 

MENOR RENDA PER CAPITA

O presidente Jair Bolsonaro minimizou aqueda de 4,1% do PIB, dizendo que a previsão era de redução de 10% eque outros países tiveram quedas maiores, o que seria um “lado positivo”. Bolsonaro ressaltou não ter detalhes sobre o resultado, horas após a divulgação:

— Desculpa, eu não tomei conhecimento da avaliação do PIB. O que eu posso falar é ques e espera vaque agente ia cair 10%, parece que caímos 4%. É um dos países que menos caíram no mundo todo, então, tem esse lado positivo.

O desemprego e a perda de renda derrubaram o consumo das famílias, que recuou 5,5%. A renda per capita teve a maior queda desde 1996, quando teve inicio a atual série histórica do IBGE, recuando 4,8%, para R$ 35.172 no ano.

Até as despesas do governo, que mesmo nas crises mais intensas não costumam variar muito, tiveram perda grande em 2020, de 4,7%, refletindo o fechamento de escolas e outros serviços públicos.

—A causa da queda do PIB é a principal diferença para outras crises que já vivemos. Trata-se de uma pandemia que os economistas não têm como modelar para fazer projeções. O mercado chegou a prever queda de 9%, mas foi de 4,1% — explica a economista da Garde Asset, Natalie Victal.

Os economistas afirmam que, enquanto a pandemia não for controlada, um elemento imponderável continuará pairando sobre a economia: a incerteza.

— Começa a se achar que a pandemia é um problema mais longo e que pode comprometer um pouco mais a retomada este ano — diz Thiago Xavier, economista da consultoria Tendências, que projeta PIB de 2,9% este ano.

Se o segundo semestre de 2020 foi de recuperação no PIB (alta de 7,7% no terceiro trimestre e de 3,2% no quarto), a maioria dos analistas prevê retração nos três primeiros meses de 2021, com o surgimento de novas cepas do vírus, a volta das restrições de mobilidade e de comércio e a vacinação a passos lentos.

 

O PESO DO AUXÍLIO

Para o economista Lucas Vilela, do Credit Suisse, a economia deve ter retração de 0,2% de janeiro a março, com recuperação no segundo trimestre (0,5%). Ele afirma, no entanto, que as restrições à mobilidade, necessárias para conter a pandemia, podem alterar esse cenário:

—A volta de elevados níveis (de mortes) na pandemia impacta nasr estrições decon se quentem ente, na disponibilidade de consumir das pessoas. O fato de o Estado de São Paulo passaràfa se vermelha vai afetarnegPIB no primeiro trimestre.

Além disso, a demora na aprovação de uma nova rodada do auxílio emergencial deve ter forte impacto no consumo das famílias neste início de 2021. No ano passado, o benefício do governo injetou mais de R$ 250 bilhões na economia e amorteceu um pouco a quedado PIB. Este ano, entretanto, o valora ser oferecido pelo governo será menor (R$ 250 contra R$ 600 no ano passado) e em menos parcelas.

Ao comentar o PIB, o próprio presidente Bolsonaro destacou o peso do auxílio:

— O que que fez a economia movimentar? Em parte, o auxílio emergencial. Esse dinheiro, quando vai para o município, roda a economia local e interfere na arrecadação de impostos.

Para Felipe Sichel, estrategista-chefe do banco Modalmais, a recuperação depende do cronograma de vacinação.

Segundo o IBGE, em 2020, o setor de serviços encolheu 4,5% e a indústria, 3,5%. Somados, esses dois setores representam 95% da economia nacional. Aquedados serviços foi a pior já registrada.

 

 

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Nova ''década perdida” vem após crescimento errático

 

Desde 2012, PIB brasileiro caiu mais do que subiu. Nos anos 1980, desastre econômico ocorreu na sequência do “milagre'

 

Se os anos 1980 entraram para a História como a “década perdida” para a economia brasileira, o período que vai de 2011 a 2020 conseguiu ser pior no que diz respeito ao crescimento do PIB. A média foi menor (0,3% de avanço anual médio, contra 1,6% dos anos 1981 a 1990) e veio na sequência de um longo período de expansão errática. Desde 2012, o PIB caiu mais do que subiu.

Na “década perdida”, a hiperinflação afligia os brasileiros e corroía o poder de compra, causando um efeito nefasto que se somava ao baixo crescimento econômico. Para conter a inflação, esfriava-se a economia. Mas os anos 1980 vieram na sequência do “milagre econômico” — na década de 1970, o país cresceu em média 8,6% ao ano, às custas de desequilíbrios que provocaram a recessão posterior.

Apesar do crescimento pífio na década passada, o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, afirma que, do ponto de vista macroeconômico, o Brasil fez boa parte do dever de casa com a criação do teto de gastos e a aprovação de reformas como a trabalhista e a previdenciária:

— Em 2011, o Brasil aproveitou o boom das commodities. Até 2014, com a queda do preço de commodities, perdeu velocidade de crescimento. Em 2015, houve crise de crédito e recessão, o que marca a década.

De 2016 em diante, segundo ele, há uma reconstrução da credibilidade macroeconômica no país.

—O país fez uma trajetória razoável para plantar a semente de um crescimento maior da economia, mas não houve tempo para que isso surtisse efeito. O crescimento foi interrompido pela volatilidade das eleições de 2018 e, agora, pela pandemia.