Título: Há 40 anos o terror do AI-5 amordaçava o país
Autor: Dirceu, José
Fonte: Jornal do Brasil, 11/12/2008, Opinião, p. A9

ex-ministro chefe da Casa Civil

Decretado há 40 anos, o AI-5 de 13 de dezembro de 1968, apesar da carga dramática da definição dessa expressão-síntese já incorporada à nossa história, foi um "golpe dentro do golpe" desfechado quatro anos antes para implantar a mais cruel, longa e tenebrosa ditadura de nossa vida republicana.

Com o AI-5, a ditadura armou-se das condições para impor e generalizar no país o terror, a tortura e o assassinato político, sem apreciação do judiciário e do legislativo (este fechado por 10 meses na primeira hora), simplesmente castrados e transformados em sombras sem vida própria.

Nos 10 anos de vigência do AI-5, toda a oposição foi criminalizada e perseguida, submetida a prisões ilegais e tortura, todos tratados como inimigos do país e do regime. Numa verdadeira reedição da Inquisição, e só para ficar em alguns exemplos, na vigência do Ato, foram proibidos mais de 500 filmes e telenovelas, 450 peças teatrais, 200 livros e 500 letras de música. Os jornais O Estado de S. Paulo e Tribuna da Imprensa, que não admitiram censura prévia, receberam censores nas oficinas. A Veja foi censurada e toda a chamada imprensa alternativa, de oposição, fechada ou amordaçada.

Quem se opôs à ditadura sofreu as conseqüências e foi atingido pelo "raio" do AI. Nada menos que 1.577 cidadãos foram punidos; três ministros do STF aposentados compulsoriamente; políticos perderam mandatos e/ou tiveram os direitos políticos suspensos por 10 anos; 548 funcionários civis foram aposentados do serviço público, 334 sumariamente demitidos e 241 militares reformados. Sem falar nos 143 brasileiros e brasileiras que continuam desaparecidos, nos milhares de presos e torturados, nos que foram assassinados pela ditadura, e nos 35 mil que partiram para o exílio, muitos para nunca mais voltar.

No entanto, a resistência à ditadura militar não cessou. Em 1974, o povo votou no MDB; em 76, os estudantes voltaram às ruas e, em 77¿78, as greves no ABC paulista anunciavam que a entrada da classe trabalhadora na vida política e social mudava o país e que ele nunca voltaria a ser o mesmo. Essa pressão popular obrigou o regime a revogar, em 1978, o AI-5, que deixou um inapagável rastro de sangue e atraso político-institucional, de regressão cultural, de violência institucionalizada pelo Estado, de fracasso econômico e atraso social, heranças que o país, até hoje, quatro décadas depois, ainda luta para superar.

Afora instaurar o terror e possibilitar a tortura e os assassinatos políticos, a ditadura militar e seu AI-5 ¿ na verdade, uma aberração jurídica e institucional, própria de regimes autoritários ¿ nos legaram um país que perdeu 20 longos anos de sua vida institucional e democrática. Mas a resistência política, primeiro dos estudantes, depois da sociedade nas periferias e nas fábricas, os protestos dos artistas e intelectuais no meio cultural e, por fim, dos partidos políticos e organizações clandestinas, que, na resistência e juntos com o MDB, forjaram as condições, levaram à derrocada da ditadura.

A união dessas forças gerou um movimento que, primeiro, levou à revogação do AI-5 e à conquista da anistia política e, depois, às eleições de 82, 85 e 86, passos decisivos para a completa redemocratização institucionalizada pela Constituinte de 88.