Título: MST forja assinatura para pedir verba
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 03/03/2005, País, p. A4
Apelo por dinheiro foi atribuído a dom Tomás Balduíno, que desconhecia carta distribuída por sem-terra
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) distribuiu uma carta ontem pedindo contribuição em dinheiro ''aos religiosos e religiosas do Brasil''. A carta é assinada pelo presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomás Balduíno, que desconhecia o texto endossado por ele. Inicialmente, o bispo desautorizou pedido de dinheiro a religiosos.
- Desautorizo qualquer carta pedindo dinheiro a religiosos. Não assinei e nem fui consultado - reagiu.
O dinheiro recolhido será utilizado para custear a Marcha Nacional pela Reforma Agrária, que sai dia 17 de abril de Goiânia rumo a Brasília. No início da tarde, dom Tomás afirmou que não redigiu nem autorizaria pedido de dinheiro de religiosos. O bispo soube da existência da carta pela reportagem do Jornal do Brasil.
O texto é claro quando pede dinheiro aos religiosos: ''Para realizarmos a Marcha, que custará o sacrifício de milhares de homens, mulheres e crianças, precisamos de sua solidariedade. É por isso que estamos escrevendo aos religiosos e religiosas de todo o Brasil, pedindo uma colaboração''.
Ontem à tarde, dom Tomás telefonou para a redação do JB em Brasília. Após consultas às bases, esclareceu que o coordenador da CPT, Isidoro Revers, o Galego, distribuiu a carta sem consultá-lo.
- O Galego colocou a carta e esqueceu de me falar - disse dom Tomás.
A carta é também assinada pelo secretário do Grito dos Excluídos, ex-padre Luiz Bassegio. Dom Tomás afirmou que conhece o trabalho de Bassegio, que é também secretário nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas informou que também não conversou com o colega sobre o texto.
- O Bassegio se esqueceu de me falar sobre a carta - afirmou dom Tomás.
Inicialmente, Bassegio afirmou que a carta foi redigida por ele e dom Tomás juntos. Ao ser informado que dom Tomás negara ter assinado o documento, Bassegio voltou atrás e esclareceu que redigiu sozinho. Bassegio afirmou ter acertado com o líder do MST João Pedro Stédile o envio da carta a dom Tomás antes da divulgação, o que não aconteceu.
- A redação foi minha. Encaminhei para que fosse submetida a dom Tomás. Se não chegou a ele, não é culpa minha. A combinação que fiz com João Pedro é que seria passada a ele - diz Bassegio.
A carta pede que os religiosos contribuam ''com o que puderem e como puderem''. A conta para depósitos está em nome da Associação dos Excluídos Continental/Marcha. O texto pede que os religiosos depositem ''qualquer valor'' na conta 54.328-2, do Banco Itaú, agência 0644, em São Paulo. Os recibos de depósito, informa a carta, podem ser enviados pelo correio.
O texto faz apelos religiosos. A carta lembra passagem do papa João Paulo II pelo México, quando afirmou não ser justo nem cristão ''permanecerem incultivadas as terras que escondem o pão para tanta gente''. Há referência ao capítulo da Bíblia em que o profeta Miquéias faz um alerta aos que cobiçam as terras e as roubam. A carta agradece a todos em nome de Deus.
O texto faz críticas ao governo Lula. Com a eleição de Lula, diz o texto, criou-se uma esperança de que a terra seria repartida, mas a ''lógica perversa'' do funcionamento do Estado, a pressão da bancada ruralista e uma política econômica que ''prioriza o superávit primário'' retiraram os recursos da reforma agrária. ''O governo está em dívida com os movimentos sociais'', diz a carta.
Passada a confusão, dom Tomás afirmou que vai ''assumir'' sua assinatura na carta, autorizando o pedido de dinheiro a religiosos. O ex-padre Bassegio afirmou que sua intenção é só ajudar os movimentos sociais.