Título: Integração: uma longa caminhada
Autor: Gombata, Marsílea
Fonte: Jornal do Brasil, 13/12/2008, Internacional, p. A23

Deficiência em infra-estrutura, ressalvas no Mercosul e distanciamento colombiano entravam união

Marsílea Gombata

Enquanto não houver integração plena e concreta entre os países latino-americanos, nenhuma das nações da região será capaz de negociar de igual para igual com grandes potências. Para uma união que abarque contornos além dos econômicos, no entanto, são diversos os obstáculos. Dos âmbitos regional, ideológico ao institucional.

Quem alerta é o especialista Pablo Lacoste, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Santiago do Chile, no seminário América do Sul em Debate: Perspectivas da Integração, realizado em parceria entre o Laboratório de Estudos do Tempo Presente, o CNPQ e o Ministério da Ciência e Tecnologia, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

¿ O cenário mundial mostra que a liderança está em potências como China, Rússia, Europa e, quem sabe, América do Sul ¿ observa. ¿ Mas isolados do jeito que estão não conseguirão. Têm de se unir para negociar com União Européia, Ásia e Estados Unidos diretamente.

O Chile, lembra, é membro associado do Mercosul, mas não pleno. O especialista ressalta o quão vantajoso seria Santiago junto ao grupo, tendo em vista a "qualidade institucional" do país, mas aponta ressalvas do governo chileno:

¿ O governo pode temer o populismo presente em alguns países, como na Argentina, como se fosse uma infecção, e coloca barreiras à aproximação ¿ analisa.

Além da necessidade de medidas rigorosas e convergentes dos bancos centrais ¿ como as alcançadas pela União Européia para a integração de seus Estados-membros ¿ projetos de infra-estrutura comuns são alternativa de estímulo de complementaridade à América do Sul.

De acordo com Laura Bogado, do Centro de Estudos Sul-americanos da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, encarar a infra-estrutura como pilar da união regional impulsionaria investimentos e setores não-coordenados. Como, por exemplo, as ferrovias no projeto Trem do Sul, ligando Buenos Aires a Caracas.

¿ É importante um salto qualitativo, para que instituições como o Mercosul deixem de ser órgãos de decisões governamentais para se concentrarem em níveis supranacionais ¿ observa Laura. ¿ Por isso, é preciso uma comissão similar à do bloco europeu para emitir normas a serem cumpridas por todos.

Um outro fator que estaria dificultando a integração latino-americana seria a tendência de a Colômbia estar mais voltada aos EUA do que aos vizinhos regionais.

¿ Bogotá está disposta a se aliar a quem financiar ajuda à particular situação que o país enfrenta por conta da guerrilha e por isso se volta aos EUA ¿ avalia Laura. ¿ A Colômbia tem força integracionista, faz parte da Comunidade Andina de Nações, trata com o Mercosul, mas seu problema faz com que tenha de resolver questões domésticas primeiro.

O apoio dado à Colômbia por Washington é, para Lacoste, um exemplo claro do que não pode ocorrer em um futuro Conselho de Defesa Sul-americano:

¿ O próprio conselho precisa resolver os problemas da América do Sul, senão os EUA interferirão, como fazem na Colômbia.

Contramão

O sim dado pelos poderes executivos dos países-membros do Mercosul à entrada da Venezuela no bloco está longe de ser suficiente para garantir a integração na região. Falando em dialética, Héctor Constant, do Instituto Pedro Gual de Altos Estudos Diplomáticos ¿ equivalente ao Instituto Rio Branco na Venezuela ¿ destoou do coro do Cone Sul e deixou claro que o conduto principal de Caracas dá-se sobre contra-revolução e contra-reforma para integração regional.

¿ No século 21, essa dialética segue, sobretudo se levarmos em conta conjuntos antagônicos como Alca versus Alba, Tratado de Livre Comércio contra um novo Mercosul, a reação de setores econômicos versus reivindicação de movimentos populares, ou mesmo a estratégia dos EUA frente à pluralização de projetos de esquerda.

A Alba, garante Constant, é o esquema de integração "bandeira" para o governo venezuelano:

¿ A política exterior é bolivarianista, integracionista, multipolar e anti-hegemônica ¿ explica.

Em relação ao próprio impasse envolvendo Brasil e Equador, que contestou um empréstimo do BNDES ¿ com Quito indo buscar apoio até mesmo no Congresso dos EUA contra o pagamento ¿ o venezuelano defendeu a "reinterpretação das condições em torno da dívida externa", numa espécie de reciclagem.

¿ Venezuela, Bolívia e Equador não ajudam e são empecilhos à integração latino-americana por causa de seus governos ¿ analisa Lacoste. ¿ É indispensável que cada país melhore as relações de confiança com vizinhos para deixar de se ancorar na política exterior com fins domésticos.