Título: Onda ou marola, convém prudência
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Fonte: Jornal do Brasil, 31/12/2008, Opinião, p. A8

Ao primeiro impacto da crise financeira internacional, em setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que ela não chegaria ao Brasil. Depois, afirmou que, se chegasse, seria como "marola". Mas acabou se rendendo e convocando uma reunião com os líderes da sua base de apoio no Congresso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, para discutir e iniciar as providências necessárias.

A sensatez fez-lhe bem. Apesar do atraso na tomada de medidas, o panorama do Brasil diante da crise não chega ao otimismo panglossiano de Lula, mas também não justifica o pessimismo dos agourentos de plantão. Os indicadores macroeconômicos não conferem imunidade ao país, mas mostram que o impacto da crise será menor aqui do que na maioria das economias ricas ou emergentes. A situação política estável, as reservas internacionais robustas e uma soma de bons indicadores deixam o país na condição se não de uma ilha de prosperidade rodeada por um mar de horizonte nebuloso, pelo menos com musculatura suficiente para enfrentar a pedreira futura. O Brasil termina o ano com o crescimento do PIB em torno de 5,5%, no nível de Rússia e Índia ¿ a China cresceu o dobro ¿ mas bem acima dos EUA, do Japão e da União Européia, em que já existe recessão. A pauta de exportações do Brasil é diversificada, o que reduz a dependência do humor americano. A dívida líquida pública ¿ 36% do PIB ¿ é menor do que a de qualquer país europeu (a da Itália é de 100% acima). A qualidade e a atualização do parque industrial, a estrutura do sistema financeiro e a regulamentação e supervisão do setor bancário são outros trunfos.

Há aspectos preocupantes, é fato, que afetarão a economia, por menos que seja. É o caso da contínua saída de dólares e a manutenção dos juros em nível de recorde mundial. O calcanhar-de-aquiles, segundo analistas, além do resultado negativo do balanço de pagamentos e o baixo nível de poupança externa, é a dificuldade de adaptar os gastos à nova realidade de enxugamento. Nesse quadro, o ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero é também um crítico da demora do governo a tomar uma atitude, embora elogie algumas medidas, como a oferta de linhas de crédito. Em entrevista publicada no Jornal do Brasil do último domingo, Ricupero sublinhou que a reação do governo até agora foi insuficiente e precisa ser contínua. Mas vai além dos problemas circunstanciais e toca o dedo na ferida ¿ a qualidade da infra-estrutura, que permite reagir melhor a conjunturas adversas. Dá como exemplos o baixo nível da educação pública, a falta de flexibilização das leis trabalhistas e sindicais, aliada ao comportamento populista e demagogo dos parlamentares diante dessa questão, a Justiça demorada e ineficiente e o controle inadequado do meio ambiente.

Não deixa de ser exuberante, no entanto, a possibilidade de atravessar as intempéries econômicas internacionais sem imergir numa perigosa espiral descendente, como muitos países emergentes e ricos. Mas o alívio não pode significar desleixo com o que o Brasil necessita para alcançar altitudes mais elevadas. Como o próprio Ricupero lembrou, nenhum outro governante teve as condições, como Lula, de fazer reformas essenciais ¿ como a trabalhista. O presidente tem ainda dois anos para reparar o equívoco e evitar o julgamento da História.