Título: A caminho de uma OEA regional
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/12/2008, Internacional, p. A21

Em cúpula que deixou EUA de fora, Lula pede mudança de "comportamento serviçal" na política

Os países latino-americanos e caribenhos caminham na direção de criar uma organização própria à imagem da Organização dos Estados Americanos (OEA), mas sem a presença dos Estados Unidos. Foi o proposto pelos mandatários participantes da 1ª Cúpula da América Latina e do Caribe, realizada na Costa do Sauípe, na Bahia.

Na reunião, em que estiveram presentes representantes de 33 nações do continente, fortes críticas foram levantadas contra os Estados Unidos. O presidente mexicano, Felipe Calderón, disse que a América Latina deve buscar "unidade real sobre bases políticas, sociais, econômicas e culturais" comuns "que lhe dêem a solidez que necessita".

¿ Tomara que possamos avançar e formalizar a Organização de Estados Latino-americanos e do Caribe. Parece-me muito legítimo a 200 anos das independências de várias nações latino-americanas ¿ entusiasmou-se Calderón.

O presidente do Equador, Rafael Correa, fez uma proposta similar, que tem o apoio da Venezuela e da Bolívia, e questionou:

¿ Que sentido tem uma Organização dos Estados Americanos controlada pelos Estados Unidos sem Cuba, e em Washington? O que é isso?.

No último dia do encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva incentivou os demais governantes da região a não serem "servis" diante de Washington.

¿ Acho que muitas vezes o comportamento super serviçal na política é o que faz com que as pessoas não sejam devidamente tratadas e devidamente respeitadas ¿ disse em uma sessão supostamente a portas fechadas e que, por engano da organização, teve o sinal aberto à sala de imprensa.

Ontem, ainda, Correa apoiou a proposta do colega boliviano Evo Morales para estipular uma data limite ao governo de Barack Obama para que cesse o embargo contra Cuba. O presidente equatoriano concordou com Morales que, se Obama não retirar o embargo, os países latino-americanos retirem seus embaixadores da região.

Lula rejeitou a idéia ao dizer que a América Latina deve dar ao presidente eleito oportunidade de desenhar a própria política para a região, antes de adotar represálias.

¿ Eu sou mais cauteloso do que o Evo Morales ¿ disse Lula.

Rixas

Apesar do clima de harmonia e integração, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, concordou que "o Brasil exerce uma liderança importante na América Latina" mas fez questão de sublinhar que "na região não há um líder único".

Já o mandatário equatoriano retomou o impasse entre os governos equatoriano e brasileiro, ao defender a decisão de recorrer à arbitragem internacional para contestar o pagamento do empréstimo de US$ 243 milhões concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES):

¿ Lamento que este problema comercial e financeiro tenha se transformado em um problema diplomático com o Brasil.

O crédito fornecido pelo BNDES foi usado na construção da hidrelétrica de San Francisco, realizada pela Odebrecht. Após apresentar problemas no funcionamento, a usina foi fechada e Correa expulsou a empresa brasileira do país.

O recurso apresentado à Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, de Paris, foi defendido por Correa sob o argumento de que a Hidropastaza, empresa equatoriana que administra a hidrelétrica e é responsável pelo pagamento, tem o direito de questionar o débito.

Na edição de ontem, o jornal The New York Times afirmou que Washington foi desprezado na cúpula no Brasil, em uma reportagem sobre os múltiplos encontros regionais dos últimos dias na Costa do Sauípe.

¿ Não há dúvida de que se trata de exclusão, sobre excluir os EUA ¿ disse ao jornal Peter Hakim, presidente do Diálogo Inter-Americano, em Washington. ¿ O Brasil está demonstrando sua enorme capacidade de agregar poder.

Esta foi a primeira vez que representantes de todos os países da América Latina e Caribe se reuniram sem a presença dos EUA ou de países europeus. Além disso, as quatro cúpulas ¿ América Latina e Caribe, Mercosul, Unasul e Grupo do Rio ¿ marcam a volta de Cuba aos encontros regionais, representada pelo presidente Raúl Castro.

Em Brasília, a Câmara aprovou ontem à noite a proposta de adesão da Venezuela ao Mercosul, por 265 votos a 61 e seis abstenções. Parte da oposição votou contra, alegando que o país governado por Chávez poderia atrapalhar as negociações comerciais do bloco ¿ o que foi negado pelos governistas. O projeto segue agora para o Senado.