Título: Um novo retrato familiar
Autor: Abade, Luciana
Fonte: Jornal do Brasil, 17/12/2008, Tema do Dia, p. A2

Pesquisa mostra um novo perfil do lar brasileiro, reforça previsões sobre o poder feminino e revela que os negros estão se assumindo com orgulho

Luciana Abade

BRASÍLIA

Nos últimos anos o número de famílias formadas por casais com filhos aumentou dez vezes, passando de 301 mil em 1993 para 3,6 milhões em 2007. Um terço das famílias brasileiras já são chefiadas por mulheres. O aumento do número de mulheres no comando da família é constatado tanto no meio urbano, 35,4%, quanto na zona rural, onde as mulheres chefiam 19,3% dos lares. Os dados fazem parte da pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgada ontem, em Brasília, pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. E mostram a precarização da vida e do trabalho feminino, além de revelar o processo de ascensão das mulheres ao poder.

Apesar de sutil, houve um crescimento no número de famílias monoparentais masculinas de 2,1% em 1993 para 3% em 2007. O que, de acordo com o estudo, pode ser um indício de mudanças comportamentais no que se refere aos padrões hegemônicos da masculinidade brasileira. Tarefas tradicionalmente femininas como os cuidados com os filhos estão sendo assumidas pelos homens. Ainda assim, 89,9% das mulheres continuam cuidando de afazeres domésticos, enquanto apenas 50,7% dos homens afirmaram realizar alguma atividade no lar.

Debate nacional

A discussão sobre desigualdade de gênero não é para ser feita apenas dentro de casa ­ afirmou a ministra da SPM, Nilcéa Freire. ­ Não pode ficar em torno da questão de quem vai lavar a louça depois do almoço. Deve ser debatida com a sociedade como um todo e com o Estado senão vamos dar um nó no desenvolvimento porque as mulheres não podem mais suportar o peso do acúmulo de tarefas. Segundo a ministra, os dados da pesquisa são preocupantes e mostram que é preciso acelerar a redução das desigualdades com políticas públicas. Para equiparar os salários de homens e mulheres, seriam necessários 87 anos.

O estudo também mostra diminuição do analfabetismo em todos os segmentos da sociedade. Em 1993, a taxa de analfabetismo para homens brancos de 15 anos ou mais era de 9,2% e caiu para 5,9% em 2007. Nesse mesmo período a taxa de analfabetismo entre as mulheres brancas de 15 anos ou mais caiu de 10,8% para 6,3% e entre as mulheres negras da mesma faixa etária foi de 24,9% para 13,7%. O fato do mercado de trabalho demandar uma uma escolaridade maior da população feminina não significa, no entanto, uma inserção mais igualitária da mulher nesse mercado. ­ Agora encontramos mulheres ocupando vagas que antes só eram preenchidas por homens ­ afirma a consultora do grupo feminista Cfemea, Eneida Dutra. ­ Mas poucas ocupam os cargos de chefia. Na informalidade e no ranking do desemprego, elas ainda são maioria. Em 1996, 46% da população feminina estava ocupada ou à procura de emprego. A proporção subiu para 52,4% em 2007. Número significativamente inferior dos homens, que alcançou 72,4% nesse mesmo ano.

Para Eneida, os avanços constados são, em grande parte, fruto do trabalho de mobilização dos grupos feministas, que continuam preocupados com a manutenção das diferenças de gênero. O trabalho remunerado doméstico é uma dessas diferenças que insistem em persistir pois continua sendo uma ocupação "dotada de baixo valor social e nicho de mulheres e meninas negras e também pobres que reúne em si a a continuidade dos traços mais perversos da herança escravista", como diz a pesquisa. No ano passado, do total de ocupados, somente 0,8% dos homens se dedicavam ao trabalho doméstico remunerado. Em contrapartida, nesse mesmo ano, 16,4% das mulheres ocupadas desenvolviam esse tipo de atividade.