Correio Braziliense, n.21123 , 25/03/2021. Brasil, p.6

 

Hepatite por causa do “tratamento precoce”

Victoria Olimpio

25/03/2021

 

 

O Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp, em Campinas (SP), identificou o primeiro caso de paciente que teve diagnóstico de hepatite medicamentosa relacionada ao uso do "tratamento precoce", defendido pelo presidente Jair Bolsonaro — o conjunto de remédios como hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, cujas pesquisas mostraram que não têm eficácia contra o novo coronavírus. Porém, o uso indiscriminado vem provocando efeitos colaterais graves, dentre os quais a doença no fígado, conforme a Unicamp confirmou ao Correio.

O paciente internado no HC tem por volta de 50 anos e é morador de Indaiatuba (SP). Segundo a professora e médica da unidade de transplante hepático do hospital, Ilka Boin, em entrevista ao G1 Campinas, o homem tem excelente forma física e não apresenta histórico de outras doenças. Ele foi diagnosticado com o novo coronavírus há aproximadamente três meses, mas, um mês depois de fazer o uso do "tratamento precoce" associado ao zinco e à vitamina D, começou a apresentar pele e olhos amarelados. Segundo o paciente, as substâncias foram consumidas sob prescrição médica.

Ainda de acordo com Ilka Boin, ele está internado e deverá ser incluído na lista para transplante de fígado: "As lesões foram bem importantes. No começo, a gente ia até indicar o transplante de urgência, mas ele foi melhorando conforme foi sendo tratado e avaliado", disse. Outras duas pessoas tiveram quadros clínicos semelhantes, mas morreram antes de entrar na lista do transplante.

Sem comprovação

Bolsonaro defende o "tratamento precoce", embora diversas pesquisas científicas apontem que esses remédios não têm eficácia contra a covid-19. A maior preocupação dos médicos intensivistas é o efeito colateral dessas substâncias em pacientes que evoluem para a forma grave da doença e que já estão com o funcionamento de órgãos vitais comprometidos.

De acordo com médicos de hospitais de referência, o "tratamento precoce" contribui de diferentes maneiras para aumentar as mortes no país. Foi apontado, ainda, que o uso indiscriminado desses remédios, em doses acima das recomendadas e com associações aleatórias com outras substâncias, também causa a morte de maneira indireta, pois retarda a procura de atendimento pelo infectado com o novo coronavírus — que, habitualmente, chega em estado crítico a uma unidade hospitalar.