Título: Vizinhos questionam liderança de Lula
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Fonte: Jornal do Brasil, 16/12/2008, Internacional, p. A19
Na Bahia, representantes do Mercosul se reúnem em meio a turbilhão de crises com o Brasil
Apesar do empenho dos líderes de mais de 30 países na 36ª Cúpula do Mercosul, realizada na Costa do Sauípe, na Bahia ¿ que envolve todos os países da América Latina e Caribe para debater a integração da região ¿ o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta receio dos colegas sul-americanos quanto à busca do Brasil pela liderança regional.
Segundo reportagem publicada pelo jornal argentino La Nación, analistas acreditam que o país anfitrião vai mostrar sua liderança regional na cúpula quádrupla ¿ do Mercosul, da Unasul, a primeira da América Latina e do Caribe, e a do Grupo do Rio, da qual participa Raúl Castro, que chegou ontem ao Brasil ¿ mas nem todos os líderes estão contentes com o presidente Lula, inclusive a própria Argentina.
"Há mal-estar da Argentina, Equador, Bolívia e Paraguai com o Brasil", diz o jornal ao relacionar o descontentamento com a orientação do Brasil na economia.
As divergências teriam começado nas negociações da Rodada Doha de comércio global em julho, em Genebra, quando o Brasil, que negociava em nome dos países em desenvolvimento, aceitou a proposta dos ricos apesar da oposição argentina.
Analistas acusam o Brasil de usar países em desenvolvimento para se posicionar como jogador global e depois fazer com eles o mesmo que os países desenvolvidos.
O jornal cita, ainda o Equador, que está envolvido em duas disputas com o Brasil: um por conta da expulsão da Odebrecht e outra por um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção dessa empresa.
Bolívia e Paraguai também estariam em um momento delicado de negociação com o Brasil. A Bolívia por conta do gás vendido ao vizinho, e o Paraguai por causa do preço da eletricidade gerada pela Usina de Itaipu.
Questões comerciais
Ontem, no primeiro dia de reunião, líderes sul-americanos chegaram a um consenso sobre a flexibilização das regras de comércio para facilitar a importação de produtos têxteis da Bolívia, de forma a compensar a perda do mercado americano com o rompimento do Tratado de Preferências Tarifárias Andinas e Erradicação de Drogas.
A decisão, anunciada ontem pelo ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, na abertura da reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), reflete a "atitude de solidariedade dos países do Mercosul diante das dificuldades dos membros plenos ou associados", conforme justificou o chanceler.
Depois da suspensão das preferências tarifárias a produtos bolivianos pelo presidente dos EUA, George Bush, no fim de setembro ¿ 16 dias após a expulsão do embaixador americano na Bolívia, Philip Goldberg, acusado de conspiração contra o governo boliviano ¿ La Paz deve, agora, propor uma estratégia regional de combate ao narcotráfico à União das Nações Sul-americanas (Unasul), cujos presidentes devem se reunir hoje.
Apesar da solidarização em relação à Bolívia, os quatro integrantes do Mercosul divergiram e fracassaram em concluir as negociações para eliminar a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC). Amorim se disse frustrado por não ter havido consenso entre o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai:
¿ A continuidade da dupla cobrança da TEC vai dificultar muito as negociações com outros blocos, sobretudo com a União Européia, que em todas as negociações que tivemos sempre acentuou o fato de não haver livre trânsito de mercadorias no Mercosul ¿ lamentou.
Na reunião, que irá até amanhã, devem ser resolvidas, ainda, assimetrias denunciadas pelo Paraguai e Uruguai, além das relações argentino-uruguaias em suspense devido à instalação de uma fábrica de celulose.
Em relação à Unasul, um dos pontos que mais demandam consenso, a ordem do dia será oficializar a designação de um secretário-geral da união, além de avançar nas diretrizes do projeto do Conselho Sul-Americano de Defesa.
Cuba e Obama
Ao chegar à Costa do Sauípe, o presidente Raúl Castro afirmou que pretende discutir o fim do embargo econômico a Cuba com o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, se ele estiver aberto a esta conversa.
¿ Se o senhor Obama quer discutir, discutimos. Se não quer discutir, não se discute ¿ declarou Castro a jornalistas.
Cuba está submetida ao embargo dos EUA há quase 50 anos, desde a revolução que impôs o comunismo à ilha.
¿ É cada vez mais difícil manter Cuba isolada. A cúpula poderia aprovar uma resolução contra o bloqueio ¿ sugeriu Castro.